Termos médicos: a etimologia e a história da medicina

Ao longo do tempo os profissionais da medicina foram desenvolvendo uma linguagem peculiar recheada de sufixos, prefixos e radicais oriundos principalmente do grego e do latim, que, embora seja de difícil compreensão para o leigo, facilita muito a comunicação técnica. Por outro lado, do ponto de vista do objetivo deste blog, o estudo da formação das palavras que designam as estruturas anatômicas, os eventos fisiológicos, as doenças, pode ajudar num melhor entendimento da história da medicina.

Vejamos alguns exemplos:

Artéria – A palavra é derivada do grego aer que significa “ar” em português e do verbo grego terein (manter, conduzir).  A palavra grega αρτηρία tinha então o significado original de conduto para passagem do ar. O nome deriva do fato de que nas dissecações de cadáveres, os médicos antigos encontravam as veias com sangue e as artérias vazias. A conclusão então era de que o sangue passava pelas veias e o ar pelas artérias.
Os anatomistas ancestrais diferenciavam dois tipos de artérias: as que tinham as paredes lisas denominadas de artéria leia (leion=macio) e as que tinham a parede rugosa  que chamaram de artéria tracheia, tendo trakheia o significado de rugoso. Eles empregavam o termo artéria, portanto, para nomear também os elementos das vias respiratórias, não percebiam diferenciação morfológica e funcional entre por exemplo a aorta (do grego aorté = elevar) e a traqueia e suas ramificações, como hoje os nomeamos. No Corpus Hipocraticum é encontrada a denominação de “as aortas”, referindo-se aos atuais brônquios. 
A concepção de Galeno

Já a palavra “veia” tem origem do latim vena, que significa caminho, via. Os gregos usavam a denominação phleps, genitivo phlebos, daí os derivados flebite, flebotomia.

Galeno, no segundo século da era cristã, foi dos primeiros a perceber que as artérias continham sangue e não ar. Ele postulou que o sangue era formado no fígado e desse órgão era distribuído para o corpo pelas veias. O sangue seria levado à cavidade direita do coração, de onde passaria à cavidade esquerda (ventrículo) por meio de poros invisíveis. No ventrículo esquerdo receberia o pneuma, espírito vital, se purificaria e seria levado ao corpo pelas artérias. Ele acreditava que o movimento do sangue ocorria por um mecanismo semelhante ao dos movimentos das marés. Essas explicações, tornadas dogmas, dominaram o estilo de pensamento médico por quase 1500 anos, até que os experimentos do anatomista inglês William Harvey, que demonstrou a mecânica da circulação, refutaram e sepultaram os conceitos de Galeno a esse respeito e ajudaram a desencadear o processo da revolução científica da medicina no século XVII.

Referências:
Simões, RS, et al. Etimologia de termos Morfológicos. 2014 Disponível em http://www2.unifesp.br/dmorfo/Prof%20Manoel%20Histologia/Dicionario%20etimologico.pdf. [Online] 
Diccionario médico-biológico, histórico y etimológico Universidade de Salamanca disponivel em http://dicciomed.eusal.es/ 
Bezas, Georges e Werneck, Alexandre Lins. Idioma grego: análise da etimologia anatomocardiológica: passado e presente. Rev Bras Cir Cardiovasc. 27, 2012, Vol. 2, pp. 318-26.
Delizoicov, NC, Carneiro, MHS e Delizoicov,D. O movimento do sangue no corpo humano:do contexto da produção do conhecimento para o do seu ensino. Ciência e Educação. 2004, Vol. 10, 3, pp. 443-460.
Harvey, H. Estudo Anatômico sobre o movimento do coração e do sangue nos animais. [trad.] R Rebollo. Sao Paulo : USP, 1999. do original de 1628.
Porto, MAT. A circulação do sangue ou o movimento no conceito de movimento. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. 1, 1994, Vol. 1, pp. 19-34.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem um comentário

  1. Anônimo

    Parabens pelo site

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