A enfermidade do amor, segundo Chernoviz

Há algum tempo, foi publicado aqui um post sobre o Mal de Amores em que um médico renascentista, Francisco Lopes de Villalobos, num livro de 1498, apresenta o amor como uma enfermidade, descreve seus sintomas e aponta as medidas terapêuticas. Esse post pode ser visto clicando aqui.  
Mais de três séculos mais tarde, em 1842, saiu a primeira edição de um dos mais famosos livros  sobre medicina escritos no Brasil no século XIX: o Diccionario de medicina popular, do médico polonês Piotr Czerniewcz, formado em Montpellier na França, radicado no Brasil desde 1840 e aqui conhecido como Pedro Luiz Napoleão Chernoviz. Numa época em que a assistência médica no Brasil era muito precária, já em que os poucos médicos do país estavam todos concentrados na Corte e em Salvador, Chernoviz conquistou sua fama e fortuna produzindo manuais de medicina, em português, dirigidos às populações carentes de assistência. Nesse livro, que teve sucessivas reedições até o começo do século XX, o autor discorre em “linguagem accommodada à intelligencia das pessoas estranhas à arte de curar”, com verbetes, sobre diversos temas da medicina.
Chernoviz (1812-1882)
Na edição de 1851 a que tive acesso, no verbete “Amor”, o autor diz que o amor “ é uma disposição inata, instintiva e mais ou menos imperiosa” e começa a manifestar-se na adolescência. Orienta os cuidados que se deve ter com esses pobres sofredores que experimentarão as sensações perigosas de uma revolução física. “Neste período tempestuoso, os pais que forem vigilantes espiarão com cuidado a fisionomia, os gestos, as palavras (…) nascem ou se agravam costumes secretos, de que falaremos em outro lugar (veja-se Onanismo), e que tem sobre a saúde a influência mais perniciosa”.
Chernoviz ensina que “os efeitos desta paixão são tanto mais aparentes quanto o amor é mais violento e mais desenvolvido. Os carateres de um amor excessivo são realmente comparáveis aos da monomania”.  
A monomania seria uma doença mental, baseada em uma obsessão, uma ideia fixa. Comparando as duas doenças, Chernoviz acentua que tanto os amantes como os monomaníacos desprezam suas obrigações, seus deveres, ficam distraídos, indiferentes, dados a profundas meditações; ou ficam completamente taciturnos ou falam continuamente sobre o mesmo assunto, perdem o sono e o apetite, emagrecem, ficam entorpecidos, com a memória e a atenção comprometidas. O médico polonês alerta para os grandes riscos do amor: 
“Se as conveniências se opõem à união, tem em perspectiva a imoralidade. O amor contrariado conduz à alienação mental, à melancolia, ao suicídio”.
Identificado o risco, Chernoviz aponta o tratamento: Se as conveniências permitirem, diz ele, o melhor remédio é a união dos amantes, em caso contrário, a separação é imperiosa. Isso deve ser exposto ao desditoso amante, com ternura, “sem amargura nem cólera, porque, culpados ou inocentes, os amantes merecem a compaixão”. O esquecimento pode ser doloroso e demorado, então ele aconselha: 

“O nome da pessoa querida nunca seja pronunciado; multiplicai as distrações de natureza agradável, não deixai nossos interessantes doentes de amor meditar na solidão ou ficar silenciosos na sociedade. Os passeios, os exercícios quotidianos levados até a fadiga será um poderoso meio. Nada iguala a mudança de lugar e o bom efeito das viagens”. Sugere então a “formação de alguma outra união preparada e na linha das conveniências”.

Esse tratamento recomendado por Chernoviz merece ser comparado com aquele proposto 350 anos antes por Villalobos para combater o terrível Mal de Amores: 
1- Que vá caçar,
2- Que vá pescar, mas onde haja muitos peixes  
3- Que se divirta, que vá jogar
4- Que esteja sempre entre muitas pessoas
5- Que passeie pelos prados
6- Seus amigos, parentes devem lhe ressaltar os perigos dos impulsos carnais
7- Que o repreendam
8- Que o separem da causa do fogo em seu coração
9- Que lhe apresentem outras mulheres
10- Que o façam casar com outra mulher e aí lhe deem um saboroso manjar, regado a vinho tinto e branco, porque sempre se vê que as bebedeiras fazem cair no chão os amantes e os amores.
No próximo post prosseguiremos com o tema, abordando as alterações físicas produzidas pelo amor, descritas por Chernoviz.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem um comentário

  1. Unknown

    Caro Professor Neto, texto muitíssimo interessante e desconhecido por nós médicos.

    Vou repassar o link a quase três mil médicos

    Muito obrigado por tudo!

    Forte abraço

    Roberto Douglas

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