O nascimento da moderna cirurgia: William Halsted

A pinça de Halsted, a cirurgia de Halsted (mastectomia radical), a sutura de Halsted, o sinal de Halsted (pigmentação periumbilical por dissecção de tecido retroperitonial) são epônimos conhecidos na medicina e referem-se a William Stewart Halsted, um cirurgião norte americano responsável por vários e importantes avanços na cirurgia, frequentemente referido como o pai da moderna cirurgia. 

Halsted no início da carreira

Halsted nasceu em New York em 23/09/1852, e teve uma sólida formação: graduado pela Universidade de Yale em 1874, continuou os estudos pela Universidade de Columbia até 1877 e depois na Europa, em Viena, Leipzig e Wurzburg, então avançados centros médicos. Em 1880 começou a trabalhar como cirurgião em New York, operando em vários hospitais.

Convidado por William Welch, mudou-se para Baltimore, onde foi um dos pioneiros do recém-fundado John Hopkins Hospital e de sua escola de medicina. Ali, juntamente com o ginecologista Howard Kelly (1858-1943), com o clínico William Osler (1848-1919) e com o patologista  William Welch (1850–1939) constituíram um grupo de professores que ficou conhecido como Os Quatro Grandes (The Big Four), fundamentais para a consolidação do prestígio  que a instituição gozou desde a sua fundação.

A própria lista de epônimos que ligados a ele, atesta a importância das contribuições de Halsted para a cirurgia, com uma atuação médica recheada de episódios dramáticos e espetaculares. Numa época em que a cirurgia era uma prática em que o cirurgião se distinguia pela velocidade com que operava, Halsted criou o conceito de cirurgia segura em que o importante era o rigor da técnica cirúrgica, não a rapidez. Ele mesmo desenvolveu e detalhou várias técnicas operatórias e criou instrumentos cirúrgicos mais adequados. Exigia rigorosa atenção nos procedimentos de assepsia, preconizava a manipulação delicada dos tecidos, dava atenção especial para a hemostasia, ensinava que as feridas cirúrgicas precisavam ser delicada e completamente fechadas, com suturas que não provocassem tensão nos tecidos. Pode-se dizer que ele foi o criador de uma nova era na cirurgia. Uma de suas maiores contribuições foi a criação da residência médica para a instrução e treinamento de novos cirurgiões. No seu departamento foram criadas as subespecialidades cirúrgicas de neurocirurgia, ortopedia, otorrinolaringologia e urologia.

William Halsted está também ligado a vários pioneirismos. Foi o primeiro a realizar uma colecistectomia (em sua própria mãe), introduziu a técnica da utilização de placas e parafusos para tratamento de fraturas de ossos longos. Desenvolveu a cirurgia radical para câncer de mama, revolucionando esse tipo de tratamento. Desenvolveu técnicas pioneiras de tratamento cirúrgico de várias patologias, incluindo aneurismas. Foi o primeiro médico a realizar uma transfusão de sangue nos Estados Unidos, utilizando seringa com seu próprio sangue e injetando em sua irmã, com choque hemorrágico.  Foi Halsted quem introduziu o uso de luvas de borracha nas cirurgias, num episódio que ficou conhecido como “as luvas do amor” que está relatado em um outro post neste blog.

Operando em 1904 no John Hopkins Hospital

Halsted tinha conhecimento anatômico enciclopédico, havia memorizado completamente o Gray’s Anatomy, o mais importante compêndio de anatomia da época. No final do século XIX, a cocaína era apresentada como uma droga de poderes excepcionais. Com seu conhecimento de anatomia, o cirurgião fez diversos experimentos com colegas, estudantes e consigo próprio para estudar essas propriedades anestésicas da substância. Nesses experimentos injetava o alcaloide nos trajetos dos nervos e observou o seu poder de provocar anestesia tanto local quanto regional, dependendo do ponto acessado. Halsted foi um dos introdutores da cocaína como anestésico local e regional e o primeiro a demonstrar a anestesia por via espinhal. O resultado dos experimentos foi a dependência em cocaína e para superar o vício internou-se para tratamento, quando se tentou substituir a cocaína pela morfina. A consequência foi que Halsted ficou dependente tanto de uma quanto de outra droga, dependência que o acompanhou por toda a vida. 

William Stewart Halsted morreu em 07 de setembro de 1922

Halsted no ano de sua morte (1922)


Link para o post sobre a invenção das luvas cirúrgicas.

Referências

1. Lathan, SR. Dr. Halsted at Hopkins and at High Hampton. Proc (Bayl Univ Med Cent). Jan 2010; 23(1): 33–37. 
2. Cameron, JL. William Stewart Haisted: Our Surgical Heritage. ANNALS OF SURGERY, 1997 Vol. 225, No. 5, 445-458 .
3. Imber, G. Genius of the Edge: The bizarre double life of Dr. William Stewart Halsted. New York : Kaplan Publishing, 2010.
4. Santos, JE, et al. Pancreatite aguda: Atualização de conceitos e condutas. Medicina, Ribeirão Preto,36: 266-282, abr./dez. 2003. Medicina, Ribeirão Preto,36: 266-282, abr./dez. 2003.
5. Piazza, MJ. Os quatro grandes. Femina, 2012, 40, 4 (Editorial). 
6. Zdravković D1, Bilanović D, Dikić S, Zdravković M, Milinić N. William Stewart Halsted–110 years of the use of surgical gloves. Med Pregl. 2007 Jul-Aug;60(7-8):405-8. 

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Deixe seu comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.