Tratando os dentes, no tempo de Tiradentes

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, viveu entre 1746 e 1792, na capitania de Minas Gerais. Aprendeu bem jovem, orientado por um padrinho a arte de tirar dentes e fazer próteses de marfim, osso, ou outros dentes humanos. Somente médicos, cirurgiões e barbeiros eram autorizados a tratar as doenças dos dentes na Vila Rica do século XVIII,  mas esses profissionais eram muito raros o que fazia com que os pacientes fossem atendidos por práticos, curandeiros e charlatães. Joaquim José foi uma espécie de dentista prático, para usar termos atuais.

Instrumentos odontológicos
do século XVIII
 
O Erario Mineral de 1735

Os práticos aprendiam empiricamente, com outros práticos. No século XVIII praticamente não existiam tratados ou manuais técnicos que pudessem auxiliar o aprendizado na difícil arte de tratar os dentes. Talvez a única obra que circulasse naqueles tempos em Vila Rica fosse o livro O Erário Mineral, publicado em Lisboa em 1735 e escrito pelo cirurgião-barbeiro Luis Gomes Ferreyra, português, que atuou nas Minas Gerais durante 20 anos.

No seu tratado, o cirurgião ensina alguns tipos de tratamento para aliviar o sofrimento dos infelizes pacientes: 

Para tirar os dentes sem ferro: 

“Ponham em cima do dente que quiserem tirar enxúndia (gordura) de rã.  
Pós do lagarto seco no forno, aplicadas à roda do dente que quiserem tirar, irá desunir a carnes dele e se tirará com facilidade.”

E ele explicava que tipo de lagarto era:

”Tomarâo um lagarto negro dos que andam nos rios ou lagoas, que a meu parecer são aqueles que cá no Brasil chamamos jacarés”. Aí bastava tirar as entranhas do bicho, e secar o tal lagarto no forno até virar pó. Nesse pó se coloca o dedo indicador e o dedo em cima dos dentes e na gengiva ao redor e assim o dente cairá logo”.   

Para aliviar dores de dente: Lançar uma ou duas gotas de óleo de cravo em cima do dente tira a dor. O mesmo efeito faz um dente de cão, arrancado de um cão vivo, que deve ser furado e pendurado no pescoço. Previne a dor por toda a vida.

E o autor dá o seu testemunho da eficácia do método:

“Em Lisboa havia um pai que, tanto que lhe nascia algum filho, lhe pendurava um dente de cão ao pescoço e, assim, os preservava de dores de dentes.” 

Podia ser usado também “um dente de defunto que morresse de pura velhice, sem frio ou febre, tocando com ele em qualquer dente que doer, o fará cair sem ferro”. 

Ou então o dente arrancado de uma toupeira viva tocando no dente que estiver doendo, “esse não doerá mais”.

Outra receita, com preparo muito preciso, que na verdade era um segredo do autor:

“Tomarão de verdete e de cravo da Índia, do melhor que houver, que é o mais acanelado, de cada um partes iguais; feito tudo em pó e misturado, se ponha em um prato de estanho em 29 de agosto, desde às onze horas até o meio-dia, em parte aonde lhe dê o sol, havendo-o, e depois o recolherão em um copo de chumbo, que assim se conservará melhor para um, dois e mais anos. A sua aplicação é molhar o dedo na saliva da boca e pô-lo em cima dos pós, e os que levar pegados, com o mesmo dedo e pós se esfregará o dente que doer; ainda que chegue aos mais não importa, que logo, em discurso de uma ave-maria, ficará o doente livre da tal dor.”

Também podia ser colocado um dente de alho assado no ouvido do lado que estivesse doendo.

Um outro tratamento para tirar a dor de dente (sem nenhuma dúvida) consistia em colocar no dente ou na cavidade, se houvesse uma “pirolazinha de láudano opiado, que, dentro de um credo, se tirará a dor, pondo-lhe em cima da tal pílula um paninho, e, fechando a boca, se esperará que a dor passe”.

O termo láudano opiado se refere a um extrato de ópio que tinha realmente efeito sedativo. Note-se que o tempo podia ser medido pela duração de uma oração católica (ave-maria, credo).

Nos tempos de Tiradentes, em que o açúcar era fácil e a higiene oral difícil, as doenças dos dentes deviam ser frequentes e complicadas. O recurso mais usado e provavelmente o mais eficiente era mesmo a extração dos dentes “furados” e doloridos, arte em que  Joaquim José se tornou bastante hábil, o que lhe rendeu fama e o apelido. 

Referências

1. Figueiredo, Lucas. O Tiradentes: Uma biografia de Joaquim José da Silva Xavier. 2018 : Companhia das Letras, 2018.
2. Ferreyra, Luis Gomes. Erário Mineral. Lisboa : Officina de Miguel Rodrigues, 1735.
3. Frochard, Pierre. Le Chirurgien Dentiste. Chez Servieres. Paris 1786

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem 2 comentários

  1. SONIA PIRES

    Inimaginável a dor de dente que as pessoas tinham naquela época. Devido ás limitações ao progresso, muitas vezes imposta pela própria igreja, só restava mesmo rezar.
    Quando eu era criança minha avó fazia compressa quente com alho, para dor de ouvido. E a dor aliviava mesmo!

  2. Que história linda!… Citado como sendo o cravo da ìndia uma anestésico bem forte. e hj. ano de 2020 ,mêsfevereiro dia 07/02. posso lhes dizer que o cravo é mto usado pra fungos nas unas. Bendito quem o descobriu. Porém hj em dia essa de extrair dente de cachorro vivo, de tirar dente de 1 falecido por idade é pra se pensar acho haveria mtas discussões,rsrs . Amei em ler e saber dos métodos usados pra extrairem dentes sem o Ferro. Bah!… Tadinhos deles deveria doer d+ nossaaa.

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