Churchill e Dr. Pickardt: Atestado médico para beber

               

O atestado médico recomendando o uso de bebidas alcoólicas, com a anotação: Mantenha à mão

O Dr. Otto Pickhardt do Lennox Hill Hospital em New York emitiu em 26/01/1932 um atestado médico certificando que o paciente Winston S. Churchill necessitava do uso de bebidas alcoólicas destiladas especialmente às refeições, na quantidade de no mínimo 250 ml. O atestado ficou famoso tanto pela estranha recomendação do médico e como pelo fato de o paciente ser uma das figuras históricas mais importantes do século XX.

Na ocasião, estava em vigência nos Estados Unidos a chamada “Lei Seca”, que proibia a fabricação, comercialização e transporte de bebidas alcoólicas, que vigorou de 1920 a 1933. O consumo de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos só era possível clandestinamente ou por recomendação médica.

Churchill era bom bebedor. Algumas das citações atribuídas a ele deixavam isso claro: “Minha regra de vida determinava como um rito absolutamente sagrado fumar charutos e também beber álcool antes, depois e se necessário durante todas as refeições e nos intervalos entre elas” ou “Eu tirei mais do álcool do que o álcool tirou de mim”. Gostava de bebidas de qualidade, especialmente brandy, whisky e champagne, que ingeria diariamente em quantidades consideráveis, principalmente às refeições. Seus biógrafos tendem a dizer que ele raramente se embriagava e negam que fosse alcoolista.

Representação do atropelamento de Churchill publicada no Daily Mail

O evento médico relacionado ao atestado ocorreu na noite do dia 13 de dezembro de 1931. Ao descer de um taxi na Quinta Avenida em New York, Churchill, como bom britânico, olhou para o lado contrário ao do fluxo de veículos e foi atropelado por um automóvel, com graves consequências. Sofreu um corte profundo no couro cabeludo, fraturas de costelas, de nariz, “pleurisia direita com hemorragia” fratura de halux e do segundo dedo do pé direitos, conforme relatou o Dr. Otto Pickhardt, que o atendeu no  Lennox Hill Hospital. Permaneceu internado até o dia 21 de dezembro.

Churchill saindo de alta hospitalar em 21/12/1931

Churchill chegara aos Estados Unidos dois dias antes do acidente para uma série de 40 conferências, bem remuneradas com as quais esperava recuperar suas finanças pessoais, muito afetadas pelo “crash” da bolsa de 1929. O atropelamento fez com que as conferências programadas fossem adiadas. Entretanto, a resiliência era uma característica importante da personalidade do futuro primeiro ministro britânico. “O pessimista vê dificuldades em cada oportunidade. O otimista vê oportunidades em cada dificuldade”, era outra frase famosa dele. Aproveitando a oportunidade, escreveu um artigo que chamou de “My New York Misadventure”, algo como “Minha desventura em New York”, que foi vendido por 2500 dólares ao jornal britânico Daily Mail e publicado nos dias 04 e 05/01/1932.

O dinheiro recebido propiciou sua ida às Bahamas para continuar a recuperação. Ali escreveu outro artigo, também para o Daily Mail: My Happy Days in the “Wet” Bahamas (Meus dias felizes nas “molhadas” Bahamas, numa tradução livre). Na época, o porto de Nassau, a capital do arquipélago caribenho, vivia uma fase de agitação econômica sendo uma das bases do comércio clandestino de bebidas alcoólicas, por conta da Lei Seca e da proximidade com os Estados Unidos.

Nas Bahamas, o político inglês manteve frequente correspondência com o médico que o tratou e quando retornou aos Estados Unidos, Churchill passou a portar o famoso atestado que o liberava para o consumo de bebidas alcoólicas em território americano, em plena lei seca e em quantidade elevada.

Não se sabe qual foi o embasamento técnico que motivou o Dr. Pickhardt a emitir tal documento e qual a relação com as consequências do atropelamento, mas é certo que Winston Churchill, além de grande resiliência tinha uma enorme capacidade de convencimento.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem 8 comentários

  1. lazaro andrade

    Neto, história maravilhosa. Penso que o ilustre paciente Winston Churchill teve a sorte de ser entendido em seu “necessário upgrade” pelo seu Dr médico.
    As “estrelas” que melhoram o nosso planeta necessitam de liberdade extra para brilhar. Palmas para Winston Churchill, você e o seu feliz artigo.
    👏👏👏🌹

  2. Pedro Henrique Porto Goes

    Sensacional! Ele realmente foi uma figura ímpar e decisiva no séc. XX! Muito bom! Parabéns Neto! Grande abraço!

  3. Luís Alfredo

    Neto, só você mesmo pra nos brindar com essas histórias curiosas e maravilhosas, no caso citado, se assemelha mais a uma estória, de tão surreal que parece.
    Forte abraço

  4. SONIA PIRES

    Muito boa essa história! Mais uma para aumentar meus conhecimentos sobre as loucuras da medicina! Kkk

  5. Pedro Alfredo Navarro Góes

    Eu sempre fui fã do sir Winston Churchill, especialmente seus discursos. Essa história do atestado eu não conhecia e gostei muito. Parabéns meu amigo! Um abraço.

  6. Luiz Antônio de Paiva

    Eu já conhecia os rituais etílicos de Churchill, mas desconhecia este episódio do atestado etílico, talvez mais comum do que pensamos naqueles tempos de lei seca. Entretanto, embora um bebedor pesado, Churchill nunca perdeu a linha é isso não afetou o seu talento de líder estadista, nem a sua relativa longevidade. Parabéns, Neto, pela excelente história.

  7. Eduardo Pinheiro Guerra

    Há uma história interessante: Nancy Astor foi a primeira mulher eleita para a Câmara dos Comuns, da qual Churchill fazia parte. Eram amigos e ferrenhos adversários. Em uma sessão, os dois pegaram uma discussão e ela lhe disse :- Winston, se você fosse meu marido eu colocaria veneno no seu café! Churchill respondeu de bate pronto: – Senhora, se eu fosse o seu marido, eu tomaria o café!

  8. Dani

    Adorei essa curiosidade, p mim ainda desconhecida 👏🏻👏🏻

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