A medicina Hipocrática – Arte e Ética- O Juramento de Hipócrates

As bases da medicina que os gregos construíram há mais de 25 séculos ainda influenciam o pensamento médico contemporâneo. A cultura, metodologia e ética profissional peculiar e exemplar do médico do século V aC. levou a Medicina a ocupar os primeiros lugares na escala dos valores culturais do homem grego. Hipócrates de Cós é a figura símbolo desse período.

Juramento

Uma das características marcantes da medicina hipocrática foi a extensa produção de literatura própria. O conhecimento médico da época está compilado no Corpus Hipocraticum, uma coleção de tratados e escritos médicos que a tradição atribuiu a Hipócrates, mas que na verdade foi escrita por diversos autores em diferentes épocas. Ele é composto por cerca de 70 livros sobre variados assuntos e foi redigido em sua maioria entre 430 e 330 aC.

O Corpus Hipocraticum, manifesta constante preocupação com a arte da medicina, com a postura do médico, com a valorização da profissão e estabelece as bases de uma ética profissional que ainda hoje permanece válida, calcada na philotechnié – amor ao ofício – e philantropia – amor aos homens–. Os médicos no tempo de Hipócrates constituíam um grupo fechado, em que os que nele ingressavam prestavam juramento visando a preservar os segredos da doutrina. Distinguia-se claramente os médicos profissionais dos leigos, e essa distinção era devida ao saber especial, a techné do médico.

No Corpus Hipocraticum são sete os livros que tratam da ética médica:

Do Médico,
Da Conduta Honrada,
Dos Preceitos,
Da Lei,
O Juramento,
Da arte,
Da Antiga Medicina.

O médico era e sentia-se um demiurgo, ou seja, tinha ação e função importantes na sociedade. No tratado Do Médico são apresentadas diversas normas de conduta: o médico deveria ter aspecto decente, perfumes discretos, para inspirar confiança. Deveria ter autoridade, conduta honrada, ser reservado, grave, humano e justo. O célebre Juramento de Hipócrates, que continua sendo proferido nas solenidades de formatura de médicos em todo o mundo, como um tributo à sabedoria grega, representada pela figura de Hipócrates, que a posteridade chamou de “pai da medicina”, é uma síntese bem elaborada dos preceitos éticos e morais que deveriam nortear a medicina, e manter a dignidade da profissão. Embora alguns o contestem pelas referências anacrônicas aos deuses gregos ou ao relacionamento com os mestres, o Juramento ainda permanece, na sua essência, bastante atual, no que se refere à honra, à decência, à moral do médico e do seu ofício. O Prof. Joffre Rezende, expoente na História da Medicina, no livro À sombra do Plátano, diz que o Juramento é uma obra de arte e sabedoria, um patrimônio da humanidade e deve permanecer intocado, o que tem todo o sentido. Evidentemente, o Juramento não pode ser interpretado literalmente, precisa ser entendido dentro do contexto em que foi elaborado. Mas não há como negar a pureza dos seus conceitos.

Juramento de Hipócrates cristianizado, versão bizantina do século XII
Juramento de Hipócrates cristianizado, versão bizantina do século XII

A versão abaixo é a apresentada pelo Professor Joffre Rezende no livro À Sombra do Plátano.

“Juro por Apolo Médico, por Esculápio, por Higéia, por Panacéia e por todos os deuses e deusas, tomando-os como testemunhas, obedecer, de acordo com meus conhecimentos e meu critério, este juramento: Considerar meu mestre nesta arte igual aos meus pais, fazê-lo participar dos meios de subsistência que dispuser, e, quando necessitado com ele dividir os meus recursos; considerar seus descendentes iguais aos meus irmãos; ensinar-lhes esta arte se desejarem aprender, sem honorários nem contratos; transmitir preceitos, instruções orais e todos outros ensinamentos aos meus filhos, aos filhos do meu mestre e aos discípulos que se comprometerem e jurarem obedecer a Lei dos Médicos, porém, a mais ninguém. Aplicar os tratamentos para ajudar os doentes conforme minha habilidade e minha capacidade, e jamais usá-los para causar dano ou malefício. Não dar veneno a ninguém, embora solicitado a assim fazer, nem aconselhar tal procedimento. Da mesma maneira não aplicar pessário em mulher para provocar aborto. Em pureza e santidade guardar minha vida e minha arte. Não usar da faca nos doentes com cálculos, mas ceder o lugar aos nisso habilitados. Nas casas em que ingressar apenas socorrer o doente, resguardando-me de fazer qualquer mal intencional, especialmente ato sexual com mulher ou homem, escravo ou livre. Não relatar o que no exercício do meu mister ou fora dele no convívio social eu veja ou ouça e que não deva ser divulgado, mas considerar tais coisas como segredos sagrados. Então, se eu mantiver este juramento e não o quebrar, possa desfrutar honrarias na minha vida e na minha arte, entre todos os homens e por todo o tempo; porém, se transigir e cair em perjúrio, aconteça-me o contrário”.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem um comentário

  1. Zaida

    Que pena que deste juramento para muitos médicos ou postulantes só seja destacado o desfrutar de honrarias…e muita hipocrisia

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