O mal do amor, segundo um médico renascentista

O espanhol Francisco Lopez de Villalobos, nascido em Villalobos em 1473 e morto em 1549, também na Espanha. é um dos mais importantes médicos do Renascimento.  O seu primeiro livro, o Sumario de la medicina con un tratado sobre las pestiferas buvas, foi impresso em 1498 foi o primeiro tratado de medicina escrito em língua castelhana e foi um livro influente na medicina europeia por longo tempo. Além de utilizar o castelhano e não o latim, como era a regra entre os ilustrados da época, Villalobos escreveu seu livro todo em versos. 

      Nessa obra, como o título sugere, Francisco López de Villalobos faz uma compilação do conhecimento médico de sua época, descrevendo as principais teorias fisiológicas, as doenças, suas causas e tratamentos. Tudo em versos.

Uma das enfermidades analisadas pelo médico espanhol era o que ele denominava de “Mal de amores”, que comparava a um tipo de loucura. Nessa doença, que causa “corrupta imaginação e pensamentos bestiais”, engana as faculdades normais do homem, que vê na mulher amada a beleza, a graça, a honestidade. São entretanto falsas impressões, pois o homem acometido pelo mal de amores perde sua inteligência, a sabedoria, a prudência e deixa de ser racional.  Essa doença, escreve o médico poeta:
“que dió al corazón tan maldito sosiego
Metiéndo-le dentro ardientísimo fuego
Do siempre el deseo lo atiza y lo aviva”.
Villalobos destaca alguns sintomas da moléstia: o paciente (ele emprega esse termo) se descuida dos negócios, do sono, de comer e beber. Tem mágoas, suspiros e desatinos, perde a cor e a força…
“y cuando le hablan de amor, luego llora,
Y el pulso es sin orden y mucho menor
Y nunca se esfuerza y se hace mayor
Sino cuando puede mirar su señora”
Definida a doença, o médico aponta dez medidas para a cura: 
1ª- Que vá caçar
2ª- Que vá pescar, mas onde haja muitos peixes  
3ª- Que se divirta, que vá jogar
4ª- Que esteja sempre entre muitas pessoas
5ª- Que passeie pelos prados
6ª- Seus amigos, parentes devem lhe ressaltar os perigos dos impulsos carnais
7ª- Que o repreendam
8ª- Que o separem da causa do fogo em seu coração
9ª- Que lhe apresentem outras mulheres e …

Reparem que Villalobos aponta o “mal de amores” como uma doença masculina e não feminina. A mulher é apenas a causa da enfermidade. Tanto que outra mulher ajuda a combater o veneno. Na verdade, a sociedade feudal era uma sociedade masculina, a mulher, cuja opinião pouco importava, se destinava a servir ao homem no casamento, quase sempre arranjado. 
O mito medieval de Tristão e Isolda. O amor trágico.
A instituição do casamento visava a consolidação do poder e concentração das riquezas, e era, como acentua o historiador Georges Duby, a base da ordem social. Certamente o casamento não era destinado a paixões ardentes. A Igreja ajudou a legitimar esse tipo de pensamento, estabelecendo a procriação como o objetivo principal do matrimônio. Segundo Duby, “o amor do marido por sua mulher se chama estima, o da mulher por seu marido se chama reverência”.
Não é de estranhar, portanto, que o jovem médico considere o desejo sexual como um instinto irracional, animalesco, que nada tinha a ver com a inteligência e o “mal de amores” como uma doença, um mal a ser combatido. 
Na décima recomendação médica para a cura dessa cruel enfermidade, o autor do Sumario de la medicina preconizava:
10ª- Que o façam casar com outra mulher e aí lhe deem um saboroso manjar, regado a vinho tinto e branco, porque sempre se vê que as bebedeiras fazem cair no chão os amantes e os amores.
Obras consultadas
VILLALOBOS, FL-Sumario de la Medicina, com um Tratado sobre las Pestíferas Bubas, Salamanca, 1498
REAL, EG. “O Sumario de la Medicina, com um Tratado sobre las Pestíferas Bubas por el Dr. Francisco Lopez de Villalobos. Madrid, Cosano, 1948
DUBY, G. “Idade Média, Idade dos Homens”. São Paulo: cia. da Letras, 1989
OLIVEIRA, CM. “Amor e erotismo na Idade Média”. Inventário, nº2 Abril de 2004.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

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