Na grande revolução do pensamento médico ocorrida a partir do final do século XIX, destaca-se a figura do alemão Paul Ehrlich, que foi fundamental para o desenvolvimento de vários ramos do conhecimento, entre eles a hematologia, a imunologia e a quimioterapia. A carreira de Paul Ehrlich está muito ligada à Heinrich Hermann Robert Koch, também alemão e um dos mais influentes do seu tempo, tanto técnica quanto politicamente.
Em março de 1882, Koch comunicou à Sociedade Fisiológica de Berlim, sua descoberta do bacilo causador da tuberculose, que era “surpreendentemente parecido com o da lepra”. O jovem Paul Ehrlich, de 28 anos, que estava na plateia, ficou vivamente impressionado com a descoberta e iniciou imediatamente a pesquisa de um corante que pudesse identificar o bacilo de uma maneira mais rápida. Reconhecendo o caráter álcool-ácido resistente do bacilo, Ehrlich conseguiu desenvolver um novo método de coloração utilizando fucsina ou violeta de genciana e anilina, ao invés do azul de metileno e hidróxido de potássio empregado por Koch. Segundo suas próprias palavras, tal fato ocorreu um dia após a comunicação de Koch: “Já no dia seguinte eu estava apto a demonstrar um novo protocolo de coloração, o qual foi sinceramente elogiado por Koch”. Com essa técnica, o processo de identificação do bacilo tornou-se mais fácil e rápido. Pouco depois, em agosto de 1882, Franz Ziehl, substituiu a anilina por ácido carbólico, melhorando a visualização. Em julho de 1883, num trabalho isolado, Friedrich Neelsen, agregou a fucsina ao ácido carbólico e a descoloração com ácido sulfúrico, obtendo resultados ainda melhores na identificação do bacilo. A técnica ficou conhecida pelo epônimo Ziehl-Neelsen, embora seja de Paul Ehrlich a sua fundamentação.
Nessa ocasião Ehrlich trabalhava como médico no Hospital de Caridade em Berlim, sob a chefia de Friedrich Frerichs, de quem obteve apoio para unir as experiências do laboratório com a clínica. De 1878, quando foi nomeado, até a morte de Frerichs em 1885, Ehrlich desenvolveu intenso trabalho de pesquisas e experiências laboratoriais. Carl Gerhardt, o sucessor de Frerichs, reduziu muito as atividades laboratoriais e ordenou a incorporação de Ehrlich ao atendimento clínico.
Por uma dessas ironias do destino, utilizando a técnica que ele mesmo havia desenvolvido, Ehrlich identificou o bacilo de Koch em seu próprio escarro em 1888. Demitiu-se então do Hospital de Caridade e foi buscar tratamento no Egito, de onde voltou, dois anos depois, curado da tuberculose, mas desempregado. Para retomar seus experimentos montou um pequeno laboratório, financiado por seu sogro. Koch, que então havia sido nomeado diretor do Instituto de Doenças Infecciosas de Berlim convidou Ehrlich para fazer parte da equipe de pesquisadores que já contava com nomes como Emil Adolf Von Behring e August Paul von Wasserman, convite prontamente aceito. Na instituição, Ehrlich passou a colaborar com Behring, que estava desenvolvendo avançadas pesquisas sobre soros antidiftéricos. A participação de Ehrlich foi fundamental na padronização das doses do soro, por seus conhecimentos na área de imunologia e seus métodos precisos de quantificação, o que permitiu a viabilização do projeto da toxina antidiftérica.
O Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina foi instituído em 1901. O primeiro ganhador foi justamente Von Behring, “pelo seu trabalho com a soroterapia, especialmente sua aplicação contra a difteria”. Koch foi o agraciado em 1905, “por suas investigações e descobertas em relação à tuberculose”, ambos com importantes contribuições de Paul Ehrlich. Em 1908 Ehrlich dividiu o Prêmio Nobel com Elia Metchnikoff “em reconhecimento aos seus trabalhos em imunologia”.
Referências
1. Drews J. Paul Ehrlich: Magister Mundi. 3 ed. Nature 2004; p.1-5.
2. Zepeda CAJ. Diagnostico bacteriologico de la tuberculosis. Revista Medica Hondurenha 1987; 55(3):250-8.
3. Ehrlich P. Über die Färbung der Tuberkelbazillen apud Winau Florian, Westphal Oto, Winau Rolf em Paul Ehrlich – in search of the Magic Bullet. Microbes Infect 2004; 6:786-9.
4. Winau F, Westphal O, Winau R. In search of the magic bullet. Microbes Infect 2004; 6:786-9.
5. Nobel Prize, link.