Em 31 de maio é comemorado o Dia Mundial sem Tabaco. O cerco aos fumantes vai se fechando cada vez mais. Em dezembro de 2014 começa a vigorar no Brasil, a lei que proíbe o fumo em ambientes fechados. A ideia de que o fumo é nocivo à saúde finalmente vai sendo internalizada e aos poucos, tornada universal. A respeito do tabaco, em 1835 a Revista Médica Fluminense publicou uma série de comunicações com o título de Memória Sobre o Tabaco, que haviam sido lidas nas sessões de 06 e 18 de setembro de 1834 da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro pelo Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia. O Dr. Maia era um respeitado médico da corte e já o conhecemos neste blog, por ter participado da experiência do tratamento da lepra com picada de cobra do pobre Mariano. (que pode ser lido clicando aqui).
O Dr. Maia elaborou um texto erudito, que denuncia uma extensa revisão da literatura então conhecida, citando numerosos autores. Começa seu texto fazendo uma série de relatos históricos sobre a planta, que ele aponta como originária das Américas e da Ásia. Etimologicamente palavra tabaco “vem de huma das Cidades Mexicanas chamada Tabasco”. Outras hipóteses seriam que a palavra derivaria de Tabago, uma das Antilhas ou das canas ocas que índios americanos chamavam tabaco. Maia, sem explicar por que, julga que a primeira opção é a correta.
Com relação aos nomes, o médico imperial diz que a planta era chamada de erva santa pelos portugueses, de Nicotiana pelos franceses, em homenagem a Nicot, que a introduziu na França, e que foi quem a enviou a Catarina de Medicis, razão porque também foi chamada de erva da rainha.
Falando sobre algumas características da planta, o facultativo diz que ela era “vivaz no Brasil e em todos os países donde he natural, torna-se anual na França e em muitas partes da Europa para onde tem sido transplantada” e faz uma interessante analogia com o aleitamento materno, defendendo a amamentação pela mãe e não pelas amas de leite: “se os vegetaes degenerão quando são nutridos por hum solo estranho, muito mais devem soffrer os homens, corpos de huma organisação muito mais complicada, quando não são amamentados pelas próprias mãis”.
As informações do artigo nos permitem avaliar o pensamento médico daquela época a respeito do tabaco, que mais tarde viria a se transformar no cigarro moderno, cujos malefícios hoje pensamos que conhecemos bem. Ao falar dos problemas do tabaco, o clínico expõe sua capacidade de provocar dependência: “o hábito do tabaco, uma vez contrahido, torna-se uma necessidade tão grande como o próprio alimento ou bebida”. Embora frequentemente mencione que o tabaco é um veneno, se empregado em doses altas, ele enfatiza seus efeitos terapêuticos na maior parte da publicação.
Segundo o conceituado esculápio, havia muitas qualidades benéficas do tabaco, que “tem sido de hum grande meio therapeutico, e grandes serviços tem prestado à medicina”. Seria útil nas cefalalgias, oftalmias, dores de dente e ouvido, facilitaria a circulação venosa, aliviaria acessos asmáticos. Atuaria também “contra as tosses húmidas, a paralysia da língua, e gota serena, produzida pela supressão de huma purgação habitual.” Era usado também por via interna, em pó, para o tratamento da hidropsia e disúria, na epilepsia, histeria, mania, nas febres quartãs, “e em todas as doenças soporosas; nestas últimas principalmente ele tem tirado algumas vezes pela sua prodigiosa atividade os doentes de huma morte quasi certa.” Extratos e xaropes eram preparados para servirem como expectorantes nas bronquites agudas e crônicas, nas tosses rebeldes e em alguns casos de asma.
Um emprego notável, citado por Maia era a utilização da via retal, pela introdução da fumaça do tabaco, ou o uso de clisteres de infusões ou decocções, para o tratamento de asfixias, hérnias, “ascarides vermiculares”, embaraços de ventre, cólicas, reumatismo e gota, para obter dejeções alvinas e vômitos.
A via externa era utilizada para o tratamento de “úlceras de mao caracter, para as mudar em feridas frescas” , também para destruir piolhos e pulgas, para mordeduras de cobras, em bexigas confluentes e até no tétano.
O Dr. Maia mostrava-se particularmente entusiasmado com as propriedades terapêuticas da planta nas hemorragias internas. “E não será para admirar ver a fumaça do tabaco, ou o seu cosimento, fazer parar imediatamente uma hemorrhagia?”. Ele próprio atribuía a essa planta a cura de um doente de cólera, que tivera uma forte congestão pulmonar e lançava muitas golfadas de sangue pela boca.
Alertava entretanto, que o tabaco em doses altas era um veneno terrível, capaz de provocar até mesmo a morte. A esse respeito, cita um caso ocorrido na Bélgica, que vale reproduzir aqui.
“Md.ª de Saint Tronel, sujeita à lombrigas, consultou para isto à hum Charlatão de Tirlemont (na Bélgica). Este aconselhou-a que tomasse duas oitavas de tabaco de fumar, que o posesse em infusão em oito onças de água, para fazer um clystel. Esta Sra. querendo ficar certa de ter destruído o inimigo, que a atormentava, havia muito tempo, em lugar das duas oitavas tomou duas onças de tabaco o mais forte, e em lugar de fazer uma simples infusão, o submmeteu à uma ebulição muito longa. O cosimento he injetado no recto. No mesmo instante esta Sra. grita, que estava no estado mais singular, que se achava como ébria, e immediatamente morre.”