Noel Rosa: a tuberculose, a carta ao médico

No final de 1934, durante uma apresentação no Cine Grajaú, no Rio de Janeiro, Noel Rosa sofreu um desmaio. Andava abatido, fraco, pesava cerca de 45 kg, tinha emagrecido bastante. O médico Edgar Graça Mello, amigo da família e tisiologista, assustou-se com o estado geral do compositor. A radiografia mostrou a lesão no pulmão direito. O diagnóstico de tuberculose estava feito. Noel Rosa era portador da “doença romântica”, tema recorrente das obras dos escritores principalmente no final do século XIX e começo do XX, que a representavam como resultado da influência do sofrimento, especialmente o amoroso, sobre o físico. A “doença do amor”. Naqueles anos 30 do século passado, a prevalência da tuberculose era alta entre poetas, boêmios, cujo estilo de vida certamente os predispunham.
Não havia tratamento específico. Prescrevia-se repouso e boa alimentação e acreditava-se que o clima das montanhas era benéfico. Foi o que o Dr. Edgar aconselhou. Noel Rosa deveria passar uns tempos em Belo Horizonte, onde seria acolhido por uma tia. Sempre generoso, desprendido e perdulário, a situação financeira de Noel Rosa era muito ruim. A revista Syntonia, organizou uma coleta e o dinheiro arrecadado ajudou na viagem para a nova capital mineira.Em BH ficou hospedado na casa da tia Carmen, que estava empenhada em assegurar que o sobrinho famoso tivesse a boa alimentação e o repouso recomendados. Alguns dias depois, mais precisamente no dia 27 de janeiro, Noel escreveu ao seu médico dando notícias sobre seu estado de saúde e ao mesmo tempo poetando em redondilhas de sete sílabas, deixando suas rimas de duplo sentido e aparentando bom humor:
Meu dedicado médico e paciente amigo Edgar.
    Um abraço.
    Se tomo a liberdade de roubar mais uma vez seu precioso tempo, é porque tenho certeza de que você se interessa por mim muito mais do que eu mereço.
    Assim sendo, vou passar a resumir as notícias que se referem à marcha do meu tratamento.
No tempo de Noel Rosa (livro) Almirante

    E, para amenizar as agruras que tal leitura oferece, resolvi fazer uso das quadras que se seguem:

Já apresento melhoras,
Pois levanto muito cedo
E… deitar as nove horas,
Para mim, é um brinquedo!
A injeção me tortura
E muito medo me mete;
Mas… minha temperatura
Não passa de trinta e sete!
Nessas balanças mineiras
De variados estilos
Trepei de várias maneiras
E pesei cinqüenta quilos!
Deu resultado comum
O meu exame de urina.
Pedindo dinheiro ao editor. No mesmo ano lançou a composição 100 mil reis
do blog Questões Manuscritas de Pedro Correa do Lago
http://revistapiaui.estadao.com.br/questoes-manuscritas/cem-mil-reis/
Meu sangue: — noventa e um
Por cento de hemoglobina.
Creio que fiz muito mal
Em desprezar o cigarro:
Pois não há material
Pra meu exame de escarro!
Até agora, só isto.
Para o bem dos meus pulmões,
Eu nem brincando desisto
De seguir as instruções.
Que o meu amigo Edgar
Arranque desse papel
O abraço que vai mandar
O seu amigo Noël.”
Jornal A Noite 05/05/1937 1ª página


O bom comportamento durou pouco. Logo Noel reacendeu seu espírito boêmio e descobriu que a pacata cidade não era tão pacata assim. Voltou às noitadas e tornou sem sentido seu retiro em Belo Horizonte. Em abril de 1935, voltou ao Rio.
 
 
Noel de Medeiros Rosa morreu no Rio de Janeiro, no dia 04 de maio de 1937 depois de uma forte hemoptise. Os jornais noticiaram sua morte como tendo sido causada por um “colapso cardíaco”. 
 
Tinha somente 26 anos de idade e quase trezentas canções.
Mais de 40 anos depois, a carta ao médico foi musicada por João Nogueira, que chamou a canção de “Ao meu amigo Edgar”.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

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