Madame Durocher: uma desbravadora

Madame Durocher é um personagem emblemático da história da medicina. Numa época em que a assistência ao parto era exercida por curiosas, aparadeiras e parteiras, empíricas, Madame Durocher destacou-se por sua vasta atuação e conhecimento. Embora frequentemente representada de maneira sombria, com vestes e aparência masculinizadas, sua importância histórica transcende muito essa representação caricata.

Marie Josephine Mathilde Durocher, nascida em Paris em 1808, chegou ao Brasil em 1816, acompanhando a mãe Anne Durocher, que se estabeleceu no Rio de Janeiro como comerciante de moda na rua dos Ourives. Quando decidiu ingressar no curso de Parteiras da Faculdade de Medicina, Marie Josephine vinha de importantes e recentes dramas pessoais. Sua mãe havia falecido e o comerciante Pedro David com quem vivia e com o qual tinha dois filhos, fora assassinado.

A lei de 03 de outubro de 1832 que criou as primeiras faculdades de medicina no Brasil, instituiu também um curso para formação de parteiras, voltado para mulheres, que exigia apenas a idade mínima de 16 anos, que a candidata soubesse ler e escrever e apresentasse um “Attestado de bons costumes passados pelo Juiz de Paz da Freguesia respectiva”. Era eminentemente teórico, ministrado pelo professor de partos da Faculdade de Medicina e tinha a duração de 2 anos. Marie Josephine foi a única aluna matriculada na primeira turma, em 1833.

Ainda durante sua formação, Marie Josephine naturalizou-se como brasileira e resolveu adotar uma indumentária peculiar, criando um tipo masculinizado, vestindo-se de preto, com casaco masculino, gravata, cartola e uma saia. Foi descrita por um jurista contemporâneo, como um “tipo bizarro, uma criatura insexuada (…) com umas barbichas que pendiam de uma berruga no queixo.”

Em uma publicação de 1871, a parteira diplomada esclarece que essa indumentária se devia a questões práticas, para facilitar seu trabalho. Nas suas próprias palavras:

“Como a primeira brasileira formada parteira, aos vinte e quatro anos, eu decidi que estava autorizada, ou melhor, obrigada a servir como um modelo para aqueles que viriam depois de mim. Eu usava um vestuário, que não só era mais confortável, mas que também foi digno e característico daquilo que deveria ser uma parteira. Eu determinava que o meu exterior deveria inspirar uma moral aos meus pacientes do sexo feminino, dando-lhes confiança e distinguindo a parteira das mulheres comuns, e eu não estava enganada.”

Na verdade ela criou um tipo mulher-homem, com o que se distinguia e lhe permitia ser reconhecida e que provavelmente facilitou mesmo o seu trabalho. Não existe dúvidas de que Madame Durocher gozou de grande prestígio na profissão. Teve a mais vasta clínica obstétrica de seu tempo. Acredita-se que tenha assistido a mais de 5000 partos. Assistiu, em 1847, à Imperatriz Tereza Cristina no parto da princesa Leopoldina, terceira filha de D. Pedro II. Seus biógrafos apontam que Durocher não tinha uma clínica elitizada, atendia indistintamente gestantes de todas as classes.

Madame Durocher publicou vários artigos relacionados à obstetrícia. A prova mais evidente de seu prestígio reside no fato de ter sido aceita em 1871 e efetivada em 1889 como membro da Academia Imperial de Medicina, apesar de não ser médica. Foi a primeira mulher a fazer parte da Academia. Para se ter uma ideia da importância deste fato, aquela instituição só aceitou outra mulher em 1926 e numa homenagem: a célebre Marie Curie quando visitou o Brasil.

Referências

1. Brenes, A. (2008). História da obstetrícia no Brasil: o fracasso da Escola de Obstetrícia para Mulheres, no Rio de Janeiro, 1832. Revista Médica de Minas Gerais, 2, pp. 141-147.
2. Melo, H., & Casemiro, M. (2003). A Ciência no Feminino: uma análise da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciência. Revista Rio de Janeiro.
3. Mott, M. L. (1994). Madame Durocher modista e parteira. Revista de Estudos Feministas, 2(3).
4. Mott, M. L. (1999). O curso de partos: deve ou não haver parteiras? Cadernos de pesquisa, pp. 133-160.
5. Santos Filho, L. (1991). História Geral da Medicina Brasileira. São Paulo: Hucitec.
6. Windler, E. (s.d.). Madame Durocher: Autoridade e obstetrícia no Brasil século xix.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem um comentário

  1. Zaida

    Oi Neto, vou aprofundar a pesquisa sobre madame Durocher e posto aqui.
    Também vou mandar para postarem no EspecialiZa para alunos Esp. Enf. Obst.

    Mando assim que puder. Depois, publicamos

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