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James Lind- 1716-1794 |
A expedição de Fernão de Magalhães que realizou a primeira viagem de circum-navegação da terra, entre 1519 a 1522, regressou à Espanha com apenas 18 dos 234 homens que iniciaram a viagem. Vasco da Gama saiu de Lisboa em 1498, na sua viagem às Indias, com 150 homens e voltou com 55. Muitas das mortes ocorridas nessas viagens foram consequência de uma doença, relatada por Alvaro Velho, cronista da expedição de Vasco da Gama:
“Andamos tamto tempo em esta travessa que tres meses menos tres dias gastamos nella (…) nos adoeceu toda a gente das gingivas que lhe creciam sobre os dentes em tall maneira que nom podiam comer e isso mesmo lhe inchavam as pernas e grandes outros inchaços pello corpo de guisa que lavravam um homem tamto ate que morria sem ter outra nenhua doença” (1)
A doença que acometeu esses marujos, conhecida como escorbuto, era um dos grandes problemas enfrentados nas grandes viagens marítimas até o século XVIII. Algum tempo depois que estavam em alto mar: vários marinheiros começavam a apresentar edema e hemorragia das gengivas, dores intensas, equimoses, prostração. A evolução fatal era frequente. Sabemos hoje que o escorbuto é causado pela deficiência de vitamina C, mas na época não se tinha ideia do que a causava. Os portugueses a chamavam de Mal de Angola, já que a doença começava a se manifestar quando as embarcações saídas de Lisboa se aproximavam de Angola.
James Lind, um cirurgião escocês que servia na marinha britânica, acreditando que o escorbuto não era uma doença contagiosa, realizou em 1747 o que é considerado o primeiro ensaio clínico da história da epidemiologia. Numa dessas viagens, ele identificou 12 doentes com escorbuto e os separou em grupos de 2. Manteve entre eles as mesmas condições, variando apenas em aspectos da dieta.
No seu livro “A Treatise of Scurvy” publicado em 1753, ele detalha o experimento:
“No dia 20 de maio de 1747 eu selecionei doze pacientes com escorbuto a bordo do Salisbury. (…) Todos tinham as gengivas pútridas, manchas na pele e fraqueza nos joelhos.”
Todos eles receberam a mesma dieta, composta por caldos de carne, biscoitos cozidos, açúcar, passas, cevada, arroz, água de aveia. Só que Lind modificou uma variável da dieta. Nas suas palavras:
“A dois dele foram dados um quarto de galão de cidra por dia (…) Dois outros tomaram duas colheres de vinagre tres vezes por dia (…) Dois dos piores(…) receberam água do mar. Dois outros receberam cada um duas laranjas e um limão todos os dias.”Outros dois receberam um elixir de vitríolo e à dupla restante foram dadas sementes de noz-moscada e uma mistura de alho, mostarda, balsamo do Peru e mirra.
Lind observou: “A consequência foi que os mais rápidos e visíveis bons efeitos foram percebidos com o uso de laranjas e limões. Um dos que tomaram, ao fim de seis dias estava pronto para o trabalho. (…) O outro foi o que teve melhor recuperação e estando muito bem, foi designado para ajudar o resto dos doentes. Depois das laranjas, eu penso que a cidra teve os melhores efeitos.”
Apesar das fortes evidências produzidas pelo cirurgião, somente décadas depois a Marinha britânica adotou o uso sistemático de sucos de frutas cítricas, com excelentes resultados na prevenção do escorbuto.
James Lind, que conseguiu o grau de médico (era apenas cirurgião) pela Universidade de Edimburgo em 1748, é considerado o autor do primeiro ensaio clínico controlado, comparando “semelhantes com semelhantes”, assumindo papel de destaque na história da epidemiologia, tanto pelo pioneirismo do tratamento e prevenção do escorbuto, quanto pelo experimento em si. O desenho do seu experimento serviu de guia para vários outros estudos controlados a partir de então.
O papel da vitamina C na etiologia do escorbuto só foi apontado no primeiro terço do século XX.
Referências
1. Velho, Alvaro. Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia. Porto : Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1999.
2. Lind, James. A Treatise of the Scurvy. In Three Parts. Edinburg : Sands Murray, 1753.
3. Carpenter, KJ. The History of Scurvy and Vitamin C. Cambridge : Cambridge University Press, 1986.
4. I, Milne. Who was James Lind. JLL Bulletin. 2012.
5. Chalmers, I. The James Lind Initiative. J R Soc Medv.96(12), 2003.
Muito legal, muitíssimo obrigada pelos conhecimentos adiquiridos.
Obrigado pelo apoio ao blog, Douglas. Grande abraço
Caro Neto
outro artigo que você com brilhantismo nos remete a grandes taletos da Medicina.
Abraços
Roberto Douglas