O símbolo mais frequentemente associado com a medicina é o bastão com a serpente, que está relacionado à Asclépio, o deus grego da medicina.
O deus Asclépio é geralmente representado segurando um bastão tosco em torno do qual se enrola uma serpente. Uma das lendas reza que, ao adentrar um dos templos de cura, uma cobra enrolou-se no cajado que Asclépio carregava e de lá não saiu, apesar de todas as tentativas para retirá-la. O significado da serpente é obscuro. Diversas interpretações são especuladas: representaria a saúde e a doença, a astúcia, o rejuvenescimento, a ligação com o mundo espiritual. Em diversas culturas antigas ela foi relacionada com a criação e preservação da vida, bem como com a destruição e com a morte. Na Mesopotâmia a deusa Ishtar, a fonte da vida, era representada com uma serpente. Na cultura chinesa antiga, podia simbolizar a reflexão sem fim sobre o mistério da vida e da criação. Na antiguidade clássica foi relacionada com o bem e o mal, com a vida, com a imortalidade, com os deuses da cura. Na Grécia antiga, não era raro que cobras não venenosas fossem mantidas dentro das residências até para eliminar ratos. O cajado, por sua vez, seria representação da árvore da vida, do poder, da magia, da sapiência.
Existe confusão entre o símbolo de Asclépio (Esculápio na mitologia romana) e o de Hermes, o caduceu, que é representado por duas serpentes entrelaçadas em torno de um bastão, com asas no topo. O correspondente de Hermes entre os romanos é Mercúrio. Na mitologia grega, Hermes é o deus do comércio, dos viajantes, dos banqueiros e também dos adivinhos, dos ladrões. Ele é o mensageiro e o intérprete da vontade dos deuses. No mito de Hermes conta-se que logo que nasceu, ele roubou o gado de Apolo, com tal habilidade que demorou a ser descoberto. Zeus obrigou-o a confessar o roubo e para se redimir, Hermes presenteou o deus Apolo, com a lira que havia inventado feita com casco de tartaruga e tripas de boi, recebendo o caduceu (o bastão com as duas serpentes) como retribuição.
Não é raro que se encontre o caduceu de Hermes sendo utilizado para representações médicas; um dos exemplos mais conhecidos é que o Corpo Médico do Exército norte-americano desde 1902 adotou o caduceu como símbolo, contribuindo para manter a confusão e revelando, na verdade, desconhecimento dos aspectos históricos relacionados a essa simbologia. Muitas entidades médicas americanas também o adotam. Outro motivo de confusão é que o termo caduceu é frequente e erroneamente empregado para designar também o bastão de Asclépio ou Esculápio.
O caduceu de Hermes é símbolo do comércio e só por isso já não deveria representar a medicina, pois conforme prega o próprio código de ética médica no artigo 9º dos Princípios Fundamentais: “A Medicina não pode, em qualquer circunstância, ou de qualquer forma, ser exercida como comércio.” Na mitologia, o deus Hermes é apresentado frequentemente como ardiloso, dissimulado, pouco honesto, que não o qualificam como escolha para representar uma profissão para a qual se pretende que os interesses humanísticos se sobreponham aos econômicos. Essa característica negativa do “caráter” do deus é acentuada pelo poeta maior Chico Buarque de Holanda, que, “falando grego com sua imaginação” certamente se referia a Hermes nos versos da canção Choro Bandido (música de Edu Lobo): “mesmo porque as notas eram surdas / Quando um deus sonso e ladrão / Fez das tripas a primeira lira / E animou todos os sons”.
Quase todo o conhecimento ocidental foi originado na Grécia. Foram os gregos que criaram a filosofia, a ética, a moral, suas relações com a medicina. Foram eles que inventaram a própria medicina como ciência racional. Foram os gregos que criaram Asclépio e Hermes com suas representações, o que deve ser levado em conta nas representações da medicina. Assim, como destaca o Professor Joffre Rezende, a adoção de simbologia relacionada a Hermes parece heresia. O símbolo “correto” da medicina, portanto, deve ser o bastão de Asclépio (Esculápio), representado pelo cajado envolvido por uma única serpente. Ele é adotado pela Organização Mundial da Saúde, pela Associação Médica Mundial, por organizações médicas de muitos países e pelas principais corporações brasileiras como Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira.
Referências
1. Rezende, J. O símbolo da medicina: tradição e heresia. http://www.jmrezende.com.br/simbolo.htm. [Online]
2. Bunn, JT. Origins of the Caduceus Motif. JAMA. 1967;202(7):615-619. doi:10.1001/jama.1967.03130200101018.
3. Prates, PR. Do Bastão de Esculápio ao Caduceu de Mercúrio. Arq. Bras. Cardiol. vol.79 no.4 São Paulo Oct. 2002.
4. Williams, NW. Serpents, Staffs, and the Emblems of Medicine. JAMA. 1999;281(5):475. doi:10.1001/jama.281.5.475-JMS0203-3-1.
5. Murillo-Godinez, G. El símbolo de la medicina: la vara de Esculapio (Asclepio) o el caduceo de Hermes (Mercurio). Medicina Interna de México Volumen 26, núm. 6, noviembre-610 diciembre 2010.
Está explicação do cajado de Asclépio e mais sensata a meu ver!
gostei, obrigado pelas informações