A invenção da luva cirúrgica: uma história de amor?

O cirurgião norte-americano William Stewart Halsted (1852-1922) tem nome bem marcado na história da medicina tanto pela excelência do seu conhecimento médico, como pelo desenvolvimento de técnicas e invenção de equipamentos e apetrechos cirúrgicos. Vários epônimos estão ligados ao seu nome: Pinça de Halsted, a Cirurgia de Halsted, a Sutura de Halsted, sobre os quais falaremos em um post específico.

William Halsted
William Halsted
1852-1922

Caroline Hampton
Caroline Hampton
1860-1922

Em 1889, Halsted ingressou no recém fundado John Hopkins Hospital de Baltimore, onde foi pioneiro e gozava de grande prestígio. Na mesma ocasião, foram contratadas duas enfermeiras: Caroline Hampton e Isabel Hampton, que não eram parentes. Isabel era canadense e fora selecionada como superintendente de enfermagem do Hospital mas havia grande animosidade entre ela e Caroline. Para solucionar o problema, Halsted nomeou Caroline como supervisora do centro cirúrgico.

Era uma época em que a medicina estava aprendendo a evitar a infecção nos procedimentos cirúrgicos. Halsted seguia um rigoroso ritual de antissepsia, que envolvia a desinfecção das mãos de toda a equipe cirúrgica, com o emprego de soluções antissépticas como o cloreto de mercúrio. Caroline Hampton tornou-se a instrumentadora das cirurgias de Halsted, mas logo desenvolveu uma severa dermatite de contato a esses produtos. O cirurgião, então, solicitou à Goodyear Rubber Company que criasse dois pares de luvas especiais para Caroline, de modo que ela pudesse continuar a exercer suas funções e não prejudicasse o processo de antissepsia nas operações. A ideia deu certo, as luvas funcionaram perfeitamente e a instrumentadora não precisou se afastar das cirurgias. Foi dessa forma que Caroline Hampton tornou-se a primeira profissional a utilizar luvas de borracha no centro cirúrgico.

Luva hampton
luvas usadas no final
 do século xix

É bem provável que a preocupação do cirurgião em proteger as mãos da instrumentadora para que ela pudesse continuar a seu lado tenha tido também, ou principalmente, motivação sentimental. O fato é que pouco tempo depois, em 1890, Halsted e Caroline se casaram. Não por outro motivo, as luvas que ensejaram o romance são frequentemente referidas como as “luvas do amor”. Com o casamento, Mrs. Halsted deixou o trabalho e a profissão. Viveram juntos por 32 anos e não tiveram filhos. Caroline Hampton Halsted morreu em novembro de 1922, dois meses depois da morte do marido.

Com o sucesso das luvas de borracha fina, sua utilização foi sendo ampliada. Inicialmente eram usadas apenas pelas enfermeiras e assistentes. Os médicos só foram utilizá-las mais tarde. Em 1893 Joseph Bloodgood, pupilo de Halsted começou a usar as luvas nas cirurgias e reduziu a próximo de zero as infecções nas cirurgias de hérnia. A partir daí, Halsted passou também a utilizá-las sistematicamente, convencido de sua utilidade na prevenção de infecções. Na virada do século XIX para o XX, a maioria dos hospitais americanos e do mundo já utilizavam as luvas cirúrgicas, agora já não só para proteger a mão dos profissionais, mas também como parte fundamental do processo da assepsia cirúrgica.

Em 2008, o John Hopkins Hospital aboliu o uso de luvas de látex porque elas provocavam frequentes casos de dermatite de contato, o mesmo motivo que levou à sua invenção, naquele mesmo hospital.

Referências

1. Lathan, SR. Rubber gloves redux. Proc (Bayl Univ Med Cent). Oct 2011; 24(4): 324. . 
2. Rezende, J. A alergia de Miss Hampton e as luvas cirúrgicas. disponivel em http://www.jmrezende.com.br/luvas.htm.
3. SR, Lathan. Caroline Hampton Halsted: the first to use rubber gloves in the operating room. Proc (Bayl Univ Med Cent). Oct 2010; 23(4): 389–392.
4. Olch, PD. William Stewart Halsted. Ann Surg. Mar 2006; 243(3): 418–425. 
5. Cameron, JL. William Stewart Halsted. Our surgical heritage. Ann Surg. May 1997; 225(5): 445–458.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

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