A arte da cura no Brasil Colônia: Físicos e Cirurgiões

Debret- Loja de Barbeiros
A assistência aos doentes no Brasil colônia e até pelo menos o primeiro terço do século XIX era bastante precária. Os raros físicos e os poucos cirurgiões existentes concentravam-se nas cidades maiores e o cuidado aos doentes na maior parte das terras brasileiras, ficava principalmente por conta dos boticários, dos barbeiros, dos curiosos e dos charlatães. 
 Há clara distinção entre as funções do físico e do cirurgião. No conceito da época, os físicos eram os médicos, que praticavam a medicina interna, faziam diagnósticos, estabeleciam prognósticos e prescreviam o tratamento. Eram os letrados, formados em universidades, que detinham o conhecimento. Buscavam o entendimento da physis, o conjunto das coisas naturais. O termo físico foi usado desde a Alta Idade Média até o século XIX. Em inglês, o vocábulo physician permanece com o significado de médico. Havia o físico licenciado, bacharel e, numa posição mais elevada, o doutor, que defendia a tese magna de doutoramento. Até 1832, quando foram criadas as duas primeiras faculdades de medicina, na Bahia e em Salvador, todos os médicos que atuaram no Brasil eram formados em universidades europeias, tanto os europeus que vinham para cá, quanto os nascidos aqui que estudaram nas universidades de Montpellier na França e principalmente na de Coimbra em Portugal.
Os médicos ou físicos não realizavam intervenções cirúrgicas, nem ministravam os tratamentos que prescreviam, como as sangrias, laxativos, eméticos, enemas. Era um trabalho braçal, menor, e ficava a cargo dos outros profissionais. 
Aos cirurgiões cabia atuar no corpo do doente, “sangrar, sarjar, lancetar, aplicar bichas e ventosas, curar feridas, tratar de luxações, fraturas e contusões” extrair dentes. Era-lhes vedado administrar medicamentos e tratar das moléstias internas a não ser onde não houvesse médicos. Na verdade essa proibição valia para as maiores cidades, onde se concentravam os poucos médicos existentes na América portuguesa. No resto do território praticamente não existiam médicos. Havia também grande carência dos cirurgiões habilitados, com algum tipo de formação. Certamente este foi um dos motivos pelos quais, imediatamente após sua chegada ao Brasil, D.João VI autorizou, em 18 de fevereiro de 1808, a criação da Escola de Cirurgia da Bahia e em 02 de abril do mesmo ano, a do Rio de Janeiro, por orientação do cirurgião real, José Corrêa Picanço e destinadas a formar cirurgiões. Essas escolas tinham apenas duas cadeiras básicas: Cirurgia especulativa e  prática e Anatomia e operações cirúrgicas.
Debret: cirurgião negro aplicando ventosas
Não havia muita distinção da atuação do cirurgião e do cirurgião barbeiro, na prática. No Brasil, o papel do barbeiro sangrador, lancetador, que também extraía dentes foi desempenhado em grande parte pelos negros escravos, como registrou muito bem Jean Baptiste Debret (1768-1848) artista francês que publicou o livro Viagem Pitoresca ao Brasil com muitas cenas do cotidiano brasileiro da época. Observem a tabuleta da placa da aquarela “Loja de barbeiro”, na qual está escrito: “Barbeiro, Cabelleireiro, Sangrador. Dentista e Deitão Bixas”.
Voltaremos ao tema nos próximos posts.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem 4 comentários

  1. Luis Alfredo

    Olá Neto!
    Legal essa curiosidade sobre a diferença entre físicos e cirurgiões naquela época. Isso é bem retratado no livro O Físico( acho que você já leu).
    Grande abraço.
    Luis

  2. Adalgisa Nomura

    Gostei muito! aprendi e aproveitei muto . Tb li texto de Rui Tavares
    Obrigada

  3. Unknown

    Caro Neto!

    Temos que agradecer, sempre, o seu trabalho incansável de pesquisa na história da Medicina. Você consegue nos tirar do automático nas atividades médicas, para um cotidiano mais reflexivo.

    Forte abraço

    Roberto Douglas

Deixe seu comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.