A amamentação no século XIX.

Já vimos em outro post que entre 1879 e 1888, circulou no Rio de Janeiro um periódico chamado A Mãi de Familia, que era composto em sua maior parte por aconselhamentos e esclarecimentos sobre diversos assuntos médicos. Nas palavras do seu editor, o Dr. Carlos Costa, o jornal era dedicado “às dignas senhoras, que sendo já ou devendo ser mães de família bem devem compreender o sublime encargo que lhes é confiado.”  A análise desses conselhos e artigos nos dá uma boa ideia do pensamento médico da época.  
O Dr. Carlos Costa era um dos defensores das ideias higienistas, movimento que chegou ao Brasil no final do século XIX, época de grande valorização das ciências naturais e de desenvolvimento do conhecimento médico. Um dos temas que mereceu destaque em vários números da revista, foi o da amamentação. Vou tentar expor resumidamente algumas dessas ideias que essa fonte histórica nos mostra.
Dizia o redator:

 “Se a mulher nasceu para ser mãi; se durante nove mezes ella reparte seu sangue com o embryão, depois com o feto e mais tarde com o filho, porque não continuará ella a dar-lhe esse mesmo sangue que a natureza transformou em um líquido, contido em seus seios sob o nome de leite?!…” e afirmava, “com a autoridade dos homens encanecidos na sciencia e na observação, que o leite é o único real alimento das crianças.”

Se a ovelha, a cabra e outros animaes o fazem, sem que ninguém lhes tivesse aconselhado, porque será preciso que se diga à mulher que tem a felicidade de possuir uma inteligência: não serás verdadeiramente mãi sem que aleites teu filho?”

O Dr. Carlos era peremptório: A mulher nasceu para ser mãe. A mãe deverá viver para seu filho completamente, “devendo acabar para ella os prazeres efêmeros desse mundo”. A negligência, egoísmo, indolência, a servil submissão às etiquetas sociais, vaidade e luxo eram fatores apontados para que as mulheres não cumprissem “o sacrossanto dever que lhes é imposto pela natureza”, (o da amamentação). Censurava aquelas que não seguiam os conselhos dos homens da ciência e durante a gravidez não se vestiam adequadamente, usando os abomináveis coletes que apertam e deformam os seios e não se alimentavam como deviam. 

Acentuando a autoridade científica que possuía, o Dr. Carlos esclarecia que o leite logo após o parto não tinha todas as suas propriedades nutritivas, mas o cholostrum, (…) uma aguadilha que sai dos seios, já tinha propriedades nutrientes e era importante como purgativo, para que o meconium pudesse ser eliminado. E explicava que o meconium, conhecido como ferrado, era resultado das funções do fígado, composto pela bílis e outras cousas e que ao termo da gestação precisava sair para dar início a outras funções. Condenava outros meios laxativos como ruibarbo, água açucarada, talos de couve, chicória para eliminar o mecônio, mas não podiam ser banidos, porque as vezes era necessário auxiliar a natureza quando as mães não tivessem logo a secreção láctea.
O tom do Dr. Carlos Costa era autoritário, científico, definitivo. Segundo ele, duas a três horas após o parto deveria ser dado o seio e antes disso nada, a não ser algumas colherinhas de água açucarada. A criança deveria mamar a cada duas horas durante o dia e duas a três vezes durante a noite. Condenava o “péssimo costume de deitar-se as crianças ao lado das mãis ou amas”.
Condenava o hábito das mulheres brasileiras de se alimentarem com cocadas, empadinhas, croquettes e mil outras nihilidades” ao invés de um bom roastbeef  e do vinho diário. Com relação a alimentação, recomendava às que não eram fortes, uma alimentação reparadora complementada por preparações tônicas, ferruginosas ou óleo de fígado de bacalhau. Dizia que canjica, mate e cerveja não aumentavam o leite, ao contrário do pensamento popular.
O aparecimento do “fluxo catamenial, as regras”, se causavam cólicas na criança era um motivo para interrupção do aleitamento. Alertava que ocorreram alguns casos de afecções intestinais e mesmo de convulsões em crianças que foram amamentadas logo após forte emoção ou acesso de cólera pela mãe ou ama-de-leite.
As amas-de-leite eram, na época, frequentemente utilizadas pelas mulheres das classes mais altas. A opinião do higienista era pela condenação dessa forma de aleitamento, entre outros motivos por serem “as negras africanas estúpidas, cheias de vícios, sem carinhos” e faziam com que as crianças adquirissem esses vícios, tornando-se impertinentes. Recomendava às mães que utilizavam as amas-de-leite, estrita vigilância, especialmente quanto aos preceitos da higiene, pois ele já tinha visto amas que criam filhos de famílias importantes em tavernas, cortiços e até em cocheiras.  
A alta mortalidade infantil (cerca de 20% das crianças morriam no primeiro ano de vida) e a percepção de que o aleitamento materno podia melhorar essa situação, foi uma das razões que levaram à recomendação da amamentação pelos higienistas no final do século XIX, acentuando um discurso em que a amamentação era a melhor nutrição para o bebê e era um dever para a mulher e a mais nobre função da maternidade. 

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

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