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Cristóvão Colombo |
Nos últimos anos do século XV ocorreu uma avassaladora epidemia de sífilis na Europa, caracterizada por um quadro clínico extremamente grave e que em menos de 10 anos espalhou-se por todo o continente. A documentação da época mostra claramente que a doença era totalmente desconhecida dos médicos europeus.
Sabemos hoje que a sífilis é uma treponematose, ou seja uma doença infecciosa causada por uma bactéria do gênero Treponema, o Treponema pallidum e é transmitida por via sexual. Existem outras treponematoses, não sexualmente transmitidas, como a bouba, causada pelo Treponema pertenue, a pinta, pelo Treponema carateum e o bejel ou sífilis endêmica, cujo agente etiológico é uma subespécie do Treponema pallidum.
Ainda não existe consenso sobre a origem da sífilis. Basicamente, a polêmica reside na questão se a moléstia já existia na Europa antes da descoberta da América, ou se teria sido levada ao Velho Continente pelos marinheiros de Colombo.
A teoria pré-colombiana defende que as treponematoses existem em todo o mundo, inclusive na Europa, há milhares de anos e que seriam doenças inter-relacionadas, modificando-se por mutações e influenciadas por alterações climáticas. A pinta teria aparecido cerca de 15 mil anos antes de Cristo na zona afro asiática. Cinco mil anos depois, por mutação teria aparecido a bouba e se espalhado por todo o mundo. Por volta de 7000 a.C. surgiria a sífilis endêmica não venérea, que teria dado origem à sífilis de transmissão sexual em 3000 a.C. no sudoeste da Ásia, espalhando-se pela Europa e resto do mundo. A teoria unitária é semelhante, pregando que as treponematoses eram universais e as diferenças de manifestação clínica se deviam a diferenças geográficas, climáticas e culturais. A bouba teria evoluído para sífilis endêmica não venérea em locais de clima mais frio e onde as pessoas não teriam cuidados higiênicos. Nas regiões mais civilizadas e com maiores cuidados com a higiene corporal, a bouba teria evoluído para a sífilis sexualmente transmissível. Com a melhora da higiene, principalmente após a invenção do sabão no século XIV, os treponemas se adaptaram melhor às áreas mais úmidas do corpo e, por mutações tornaram-se mais virulentos.
A teoria colombiana defende que a sífilis sexualmente transmissível seria endêmica na América e teria sido levada para a Europa (onde não existia) pelos marinheiros das expedições de Cristóvão Colombo. Vários relatos de médicos e cronistas da época dão sustentação à essa teoria, bem como análises da expansão da epidemia ocorrida no final do século XV. É fato, embasado em farta documentação, que uma epidemia de sífilis, então uma doença desconhecida na Europa, explodiu no Velho Continente a partir de 1494, iniciando-se nos locais onde esteve o exército do rei Carlos VIII da França, na sua campanha para conquistar Nápoles espalhando-se para todo o continente em menos de dez anos.
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Lesões ósseas de sífilis |
Como a sífilis terciária provoca com frequência lesões ósseas características, o estudo arqueológico de esqueletos tem ajudado a sustentar uma e outra teoria. Nas Américas tem sido encontrado, com datação anterior à chegada Colombo, vários ossos com lesões sugestivas de sífilis. Esse tipo de achado arqueológico é muito raro na Europa. Em 1994, entretanto, foram encontrados 240 esqueletos num cemitério de um convento em Hull na Inglaterra, com datação anterior a Colombo, que apresentavam numerosas lesões ósseas compatíveis com sífilis, dando força aos unitaristas. Os adeptos da teoria do Novo Mundo no entanto, alegando que devido a diversos fatores como a vida em comunidade fechada, auto-flagelamento dos monges, a frequência muito alta de lesões ósseas entre os esqueletos, bem maior do que o que a sífilis costuma provocar, apontam que o mais provável é que se tratasse de sífilis endêmica não venérea. Atualmente estão sendo desenvolvidos estudos filogenéticos analisando a evolução dos treponemas ao longo do tempo que podem ajudar a lançar um pouco de luz na questão da origem da sífilis.
Ainda não existe nenhuma prova conclusiva e nenhuma evidência é forte o bastante para esclarecer o enigma e a polêmica, que parece longe de acabar.
Referências:
1. Tampa, M e e cols. Brief History of Syphilis. J Med Life. Mar 15, 2014; 7(1): 4–10.
2. Quetel, C. The History of Syphilis. Baltimore : John Hopkins Paperbacks, 1992.
3. Borobio, M V. El enigma de la sífilis. /www.seimc.org/contenidos/ccs/…/sifilis3.pdf. [Online]
4. Arrizabalaga, J, Henderson, J e French, R. The Great Pox. London : Yale University Press, 1997.
5. Bruit, H. A origem americana da sifilis. http://revistas.fflch.usp.br/anphlac/article/view/1345/1216. [Online] 2002.
6. Morton, RS e Rashid, S.“The syphilis enigma”: the riddle resolved? Sex Transm Infect 2001;77:322-324 doi:10.1136/sti.77.5.322.
7- Harper KN, Ocampo PS, Steiner BM, George RW, Silverman MS, et al. (2008) On the origin of the treponematoses: a phylogenetic approach. PLoS Negl Trop Dis 2: e148.
8- Melo,FL; Moreira, JCM; Fraga, AM, Nunes, K; Eggers, S Syphilis at the Crossroad of Phylogenetics and Paleopathology PLoS Negl Trop Dis 4(1): e575
Sifu…
Matta, a coincidência da explosão da epidemia de sífilis que ocorreu nos últimos anos do século XIV (a partir de 1493) e o retorno de uma das expedições de Colombo. A eclosão da epidemia está claramente ligada à campanha militar de Carlos VIII, em cujo exército, formado por mercenários de diversas origens, havia vários marinheiros que viajaram com Colombo. Os casos de sífilis foram aparecendo acompanhando o exército, principalmente a volta dos mercenários às suas origens. A falta de achados paleopatológicos (antes da descoberta da América) de sífilis na Europa e presença deles na América. A gravidade dos casos, que depois tornaram-se mais brandos. São evidências robustas, a meu ver. Por isso eu creio ser mais plausível a hipótese de que a sífilis, como doença sexualmente transmissível, veio mesmo da América. Ou, como diz o ditado: A Europa civilizou a América e a América sifilizou a Europa.
Ótimo relato Neto. Queria saber qual a tua opinião sobre essas origem?