A pintura analisada neste post, “O Retrato do Dr. Gachet” é uma das obras mais conhecidas de Vincent Van Gogh. Na verdade, o quadro tem duas versões, ambas autênticas, semelhantes entre si, diferindo nas cores e na intensidade das características pinceladas do artista. Em ambos, o Dr. Gachet é retratado com uma fisionomia melancólica, com a cabeça apoiada na mão direita e sobre a mesa estão dois livros e um ramo da planta conhecida como dedaleira. Ambas foram pintadas em julho de 1890.

Os livros são Germinie Lacerteux (1865) and Manette Salomon (1867) obras dos irmãos Goncourt, que escreviam juntos. O primeiro romance relata a saga de um servo, que tem uma vida devassa e morre miseravelmente e o segundo sobre a vida de um pintor cujo talento é gradualmente arruinado por causa da sua amante e modelo.

A dedaleira, que pode ter sido retratada na pintura, talvez até como um contraponto, uma esperança para a melancolia representada na fisionomia do médico, é uma planta medicinal do gênero Digitalis, de onde são extraídas ainda hoje a digoxina (da Digitalis lanata) e a digitoxina (da Digitalis purpúrica), ativas substâncias cardiotônicas. Na época, era empregada no tratamento de epilepsia e distúrbios mentais como o delirium tremens e mania. Nos últimos anos da vida de Van Gogh nota-se em sua obra uma forte influência da cor amarela, havendo quem levante a hipótese de que isso pudesse ser devido a xantopsia, uma alteração visual em que os objetos adquirem um tom amarelado, e uma das consequências da intoxicação digitálica.   

O Dr. Paul-Ferdinand Gachet (1828-1909) era um pintor amador e foi médico e amigo de vários artistas como Cezanne, Renoir, Monet, Manet. Talvez por isso, e por sua experiência com doenças mentais ele tenha sido indicado a Van Gogh, que tinha uma vasta história psiquiátrica: quadros depressivos, auto-mutilação, dependência de absynto. O artista procurou o Dr. Gachet, quando saiu de uma internação no Hospital Saint Remy de Provence. É controversa a relação entre o médico e o artista. Numa carta, o pintor escreveu que Gachet era mais doente que ele, ou pelo menos tanto quanto.

No dia 29 de julho de 1890, poucos dias depois de ter pintado o quadro, e cerca de dez semanas depois de ter começado o acompanhamento com o Dr. Gachet, Vincent Van Gogh cometeu o suicídio, desferindo um tiro no peito. Chegou a ser socorrido, mas morreu dois dias depois, aos 37 anos de idade.

Em 1990, no centenário da morte do pintor, o “Retrato do Dr. Gachet” foi leiloado por US$75 milhões, mais a comissão do leiloeiro de US$7,5 milhões. A segunda versão da pintura encontra-se no Musèe D’Orsay em Paris.