A Hérnia de Amyand é de ocorrência relativamente rara e se caracteriza pela presença do apêndice cecal dentro do saco herniário inguinal. O epônimo é uma referência a Claudius Amyand (1660-1740), que, embora nascido na França, exerceu a arte da cirurgia na Inglaterra, para onde teve que fugir, por causa da perseguição aos huguenotes.
O cirurgião deixou um detalhado relato do quadro clínico e do procedimento cirúrgico que lhe rendeu posteriormente o epônimo, que foi publicado em 1736 na Philosophical Transactions of the Royal Society de Londres, no qual foi baseado este post.
Na sua publicação, Amyand relata que em outubro de 1735, deu entrada no hospital St George em Londres o garoto Hanvil Anderson, de 11 anos de idade, que apresentava, “uma hérnia escrotal, que tinha desde a infância e uma fístula entre o escroto e a coxa”, por onde saía material fecal havia cerca de um mês. A cirurgia foi realizada no dia 07 de dezembro de 1735, e o cirurgião encontrou o apêndice cecal dentro do saco herniário. Além disso, o apêndice estava perfurado, e de certa forma tamponado, por um alfinete que tinha uma pedra incrustada numa ponta e da perfuração era expelido o material fecal. O menino não se lembrava de quando havia engolido o alfinete.
Aqui cabe um exercício de imaginação. O ano era 1735, não havia nenhum tipo de anestesia e nem se adotavam procedimentos de assepsia. Não existia ainda o conceito de infecção. O cirurgião tinha que ser rápido, por conta da dor. Amputações de membros eram feitas em minutos e logicamente, as cirurgias abdominais eram muito raras. A decisão de fazer a operação provavelmente foi complicada. Pensando do ponto de vista do menino, deve ter sido um tormento e havido uma grande dificuldade em mantê-lo imobilizado. Durante a cirurgia ele evacuou algumas vezes e teve crises violentas de vômitos.
Mesmo com todas as limitações cirúrgicas da época, Amyand conseguiu isolar, ligar e remover o apêndice. A cirurgia durou cerca de meia hora e foi “tão dolorosa para o paciente como foi trabalhosa para mim”, escreveu o cirurgião, que ressaltou a coragem com que o garoto suportou o procedimento.
Por estranho que pareça, o resultado foi favorável e o valente Hanvil se recuperou. Foi mantido confinado no leito no pós operatório e “a ferida foi completamente curada em menos de um mês e o paciente teve alta com uma cinta, que lhe foi ordenado usar por algum tempo para confirmar a cura”.
Referência
1. Amyand, Claudius. Of an inguinal rupture, with a pin in the appendix caeca, incrust with stone; and some observations on wounds in the guts. Philos Trans R Soc London 1736; 329-336.
Sensacional essa história, corajoso o cirurgião e a criança.
Excelente como sempre.
Parabéns Neto