Teoria microbiana das doenças: a grande virada no conhecimento

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Pasteur e os coelhos do laboratório

            A ciência médica já sabia desde o século XVII, com a invenção do microscópio, que existiam organismos muito pequenos, invisíveis a olho nu, mas não dava a eles papel de importância na gênese das doenças infecciosas. As bactérias já eram conhecidas com esse nome desde 1828, quando o termo latino bacterium (plural=bacteria) foi introduzido pelo alemão Christian Gottfried Ehrenberg, denominação derivada do grego bacterion (βακτήριον), significando algo como “pequeno bastão”.

            Louis Pasteur foi o grande mentor da teoria de que os germes poderiam causar doenças. No final da década de 1850 ele mostrou que a fermentação e putrefação não eram fenômenos exclusivamente químicos como se pensava e sim devidos a ação de micro-organismos. Mais tarde, comprovou a causa microbiana de uma doença (pebrina) do bicho-da-seda, que estava arruinando a indústria francesa da seda. Com o prestígio em alta e com a convicção de que os micróbios eram causadores de doenças, Pasteur prosseguiu nessa linha de investigação, com destaque para as pesquisas com o carbúnculo e com a raiva, cujos resultados tiveram grande repercussão e aumentaram ainda mais o seu prestígio e influência. Para se ter uma ideia desse prestígio, por volta de 1880 Pasteur recebia cerca de 10% dos fundos oficiais destinados à pesquisa pelo governo francês.
Louis Pasteur


            Em abril de 1878, Pasteur, Jules François Joubert e Charles Edouard Chamberland apresentaram a Teoria Microbiana das Doenças à Academia de Medicina de Paris, que foi publicada na Gazette Médicale de Paris e traduzida na edição de junho de 1878 da Gazeta Médica da Bahia.  Nas palavras de Pasteur:
 “Para afirmar experimentalmente que um organismo microscópico é na realidade agente de moléstia e de contágio, não vejo outro meio, no estado atual da ciência, senão submeter o micróbio (nova e feliz expressão proposta pelo Sr. Sedillot[1]), ao método das culturas sucessivas fora da economia. (…) É precisamente o gênero de provas a que temos submetido a bacteridie carbunculosa, o Sr. Joubert e eu. Depois de a ter cultivado um grande número de vezes em um liquido privado de toda virulência, tendo cada cultura por semente apenas uma gota da cultura precedente, verificamos que o produto da última cultura era capaz de multiplicar-se e obrar no corpo dos animais, dando-lhes o carbúnculo com todos os sintomas desta afecção. Tal é a prova, a nosso ver incontestável, que o carbúnculo é uma doença da bacteridie.”

            Uma qualidade marcante de Pasteur era sua capacidade de criar métodos de experimentação inventivos e confiáveis. Ele estava convicto de que todas as doenças infecciosas tinham uma causa microbiana específica e eram passíveis de combate por meio de processos de imunização. O seu sucesso com relação ao carbúnculo e a sua dramática experiência de tratamento da raiva tiveram grande repercussão no meio científico, facilitando a aceitação da teoria microbiana das doenças.

            A ruptura com as antigas teorias sobre o papel dos miasmas e dos humores na etiologia das doenças infecciosas encontrou, claro, resistências. Deve ter sido complicado, na mentalidade dos médicos da época entender e adotar as novas linhas de pensamento. Mesmo entre os partidários das ideias de Pasteur, os novos conceitos eram confusos. Uma série de artigos publicados na Gazeta Médica da Bahia de dezembro de 1882 pelo Dr. J. Remedios Monteiro ilustra bem esse conflito com as novas ideias.

            O Dr. Monteiro, que encerra seu artigo de dezembro de 1882 com a citação em latim:  “Nova rerum nascitur ordo”, (“Nasce uma nova ordem”, numa tradução livre), embora defenda as ideias de Pasteur, não consegue se livrar da teoria dos miasmas:

“As pesquizas modernas tendem a mostrar que entes vivos microscopicos, qualquer que seja o seu nome, se associam as doenças contagiosas, infectuosas e miasmáticas, e que essas doenças nunca se desenvolvem sem a presença do germen específico.Sendo os miasmas entes vivos, cujos germens espalham-se no ar, a marcha das epidemias torna-se tão fácil de ser explicada como a fecundação das plantas dioicas em grande distância pelo pollen levado pelo vento.” (…)“ A theoria dos germens explica ao menos melhor, como nenhuma outra hypothese o fez, o aparecimento, a transmissão e a marcha das epidemias pestilenciaes.
Nenhum mal pode advir, antes bem, da adopção, embora provisoria, da theoria dos germens.

            Antes disso, ele havia mostrado as conclusões de Klebs e Tommasi Crudeli sobre a malária, cujo nome significa literalmente “maus ares”:  

“1º O veneno da malária encontra-se sob o solo, mesmo durante a estação em que não a contrahe o homem;2º Elle pode ser colhido na camada do ar em contacto com o solo, mas não foi encontrado nas aguas estagnadas;3º Nos animaes a injecção dos líquidos provindos directamente do solo, das culturas artificiaes e dos resíduos das filtrações dos líquidos deu origem a verdadeiros acessos de febre intermintente.4º Esses experimentadores encontraram (…) organismos pertencentes ao gênero Baccilus, que consideram como causa da malária.”

            O Dr. Monteiro diz ainda que Klebs e Crudeli deram ao “vegetal microscópico” o nome de Bacillus malariae, e que grande número de pesquisadores italianos repetiram e confirmaram plenamente essas pesquisas.
Todavia, comenta também, embora com pouco destaque, que um outro pesquisador, o professor Laveran encontrou no sangue de doentes de impaludismo um micróbio especial a que denominou Oscilaria malariae e que tinha seu domicilio especial no glóbulo vermelho do sangue. A ciência acabou comprovando que o protozoário descoberto por Laveran era o verdadeiro agente causador da malária.

Robert Koch


Na mesma edição da Gazeta Médica da Bahia um outro artigo relata que R. Koch em Berlim encontrou bacilos nos doentes de tuberculose e que fez inoculações com a matéria tuberculosa em animais de laboratório e encontrou depois os mesmos bacilos nos pulmões dos animais inoculados.
Com a descoberta do bacilo da tuberculose, a elaboração dos célebres postulados de Koch[2] e a continuidade de suas pesquisas com relação às doenças infecciosas, Robert Koch tornou-se figura fundamental na consolidação da teoria microbiana das doenças. No final do século XIX sucederam-se rapidamente descobertas dos agentes microbianos causadores de numerosas doenças infecciosas.



[1]Refere-se ao médico francês Charles-Emmanuel Sédillot (1804-1883) que criou o termo micróbio em 1878.
[2][2]Postulados de Koch: 1- o agente de uma doença contagiosa deve ser encontrado em todos os indivíduos que sofram da doença e isolado em cultura pura. 2- O agente não pode ser encontrado em pessoas saudáveis. 3- o agente, quando injetado em animais de laboratório, deve ser capaz de reproduzir a doença. 4- o agente deve ser recuperado desses animais e novamente isolado em cultura pura.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

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