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Ignaz Semmelweis 1818-1865 |
Vimos no post anterior que na maternidade do Hospital Geral de Viena, o atendimento era prestado em duas unidades: a Primeira Clínica em que a assistência era feita por médicos e estudantes de medicina e a Segunda Clínica, que funcionava sob a responsabilidade de parteiras e aprendizes. Vimos também que o médico austro-húngaro Ignaz Semmelweis demonstrou que a grande mortalidade por infecção puerperal que ocorria na maternidade, bem maior na Primeira Clínica que na Segunda, era, em grande medida, devida à contaminação das mãos dos médicos e estudantes de medicina. Numa época em que não existia o conhecimento de que doenças podiam ser causadas por micro-organismos, Semmelweis estabeleceu o conceito de que, ao manusear cadáveres nas autópsias, os estudantes e médicos transportavam por meio de suas mãos, o que ele chamou de “partículas cadavéricas” e contaminavam as pacientes da maternidade durante o exame ginecológico e os procedimentos do parto. Em 1847, a instituição de medidas simples de higiene como lavar as mãos e uso de solução clorada, até que desaparecesse o odor característico que ficava nas mãos após as autópsias fez com que imediatamente fosse reduzida a taxa de mortalidade por infecção puerperal naquele hospital. Para ver o post anterior clique aqui.
Alguns dos mais importantes médicos do hospital e que se tornaram igualmente importantes na história da medicina como Karl Freiherr von Rokitansky um dos pioneiros da anatomia patológica, Joseph Skoda, que revolucionou a semiologia e Ferdinand Ritter von Hebra, o fundador da moderna dermatologia, entenderam e apoiaram as teorias de Semmelweis. Hebra e Rokitansky escreveram e publicaram artigos sobre a teoria de Semmelweis, que foi apresentada e defendida na Academia Austríaca de Medicina por Skoda. Estranhamente, Semmelweis nada publicou, naqueles anos, sobre sua descoberta. Dentre os médicos que acreditaram nas ideias de Semmelweis estava o Professor Gustav Adolph Michaelis, de Kiel, que suicidou-se em 1848, atormentado pela ideia de ter sido o causador da morte de uma sobrinha por febre puerperal.
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Professores do Hospital de Viena – 1853. Von Hebra é o penúltimo em pé. Rokitansky é o 3º e Skoda o 4º sentados. (Da esquerda para a direita) Fonte Wikipedia |
O que deveria ter sido reconhecido imediatamente como um grande avanço no conhecimento, todavia, não foi bem recebido no meio da comunidade médica do hospital. As ideias de Semmelweis encontraram forte resistência de seus pares e especialmente de Johann Klein, chefe da obstetrícia do hospital e Eduard Lumpe, conceituado obstetra. Eles explicavam a alta mortalidade puerperal por meio dos conceitos vigentes, como miasmas venenosos, influência do clima, causas telúricas. Também foi levantada a teoria de que a febre puerperal era contagiosa, ou seja, uma paciente contaminava a outra. Foram apontadas também superlotação da maternidade. Foram apontadas ainda aspectos como a imperícia de alguns estudantes, principalmente dos húngaros (Klein chegou a desligar vários deles), ou ainda causas psicológicas, entre elas o terror provocado nas pacientes pelo padre que vinha fazer a extrema-unção, que tocava uma sineta no seu trajeto dentro do hospital. Lumpe, foi o principal contestador de Semmelweis e defendia que a ciência médica exigia a obrigatoriedade da existência de uma causa externa para explicar a mortalidade. Deve ser considerado também, como causa da resistência, que a aceitação das ideias de Semmelweis significava para os obstetras do hospital a assunção do peso de serem causadores de grande número de mortes.
Semmelweis sempre foi inábil para defender seus pontos de vista, além da aversão à escrita. Em 1850, no auge da polêmica com Lumpe, ele retirou-se para a Universidade de Pest, onde conseguiu reduzir a mortalidade por febre puerperal para menos de 1%. Apenas em 1858 publicou seu primeiro artigo: A etiologia da febre puerperal. Em 1861 foi publicado seu livro, A etiologia, conceito e profilaxia da febre puerperal. Nessa ocasião o médico húngaro começou a manifestar sintomas psiquiátricos. Tinha crises de depressão, melancolia, agitação, agressividade. Andou colando panfletos nas ruas exortando os pais a exigirem a desinfecção das mãos dos médicos nos partos. Bradava contra os médicos que não aceitavam sua teoria. Em 1862 começou a publicar cartas abertas a seus oponentes. Um deles foi o grande Rudolf Virchow. Semmelweis escreveu em uma carta aberta que qualquer um dos seus 823 pupilos sabia mais que Virchow e era mais iluminado que os membros da Academia Germânica de Medicina.
A real natureza de sua doença psiquiátrica é desconhecida. Aventa-se a possibilidade de uma forma precoce da Doença de Alzheimer e são apontados também como hipotéticas causas uma psicose pós-traumática e até a sífilis terciária. O fato é que o quadro psiquiátrico agravou-se e Semmelweis foi internado em uma clínica para doentes mentais por sua esposa e seu amigo Hebra no dia 30 de julho de 1865. No dia 13 de agosto Semmelweis morreu por causa de uma septicemia, aos 47 anos de idade. Uma das teorias aceitas pelos historiadores é a de que ele teria se ferido acidentalmente durante uma autópsia alguns dias antes de ser internado (há quem diga também que esse ferimento foi proposital) e adquirido a doença contra a qual lutou durante toda a sua vida de médico. Outra hipótese levantada é a de que ele teria sido espancado no hospício e a infecção generalizada teria sido consequência dos ferimentos provocados.
Semmelweis não deve ter tomado conhecimento de que no mesmo ano da sua morte, Pasteur realizou seu célebre estudo sobre as doenças do bicho-da-seda, demonstrando que micróbios podem causar doenças e Joseph Lister demonstrou a eficiência do fenol como antisséptico.
Reedição do post originalmente publicado em 08/06/2013
Parabéns!! Pode imaginar como gostei do artigo, tendo trabalhado como médica em Controle de Infecção Hospitalar ???? Obrigada pela boa leitura e pela alegria.Feliz Páscoa!!
Rosângela
Infelizmente luta por justiça, trabalha no sentido de fazer tudo certo, é perseguido.
Não é uma ironia do destino, a forma da morte deste grande homem da ciência.
Ainda hoje temos problemas com a lavagem de mãos nos hospitais.
Apesar de não ter conhecimento ´nenhum médico,gostei muito da leitura. Achei triste o final da vida do dr.Semmelweis.
Sonia