Rembrandt e a Lição de Anatomia do Dr. Tulp

A Lição de Anatomia do Dr. Tulp foi pintada em 1632 por Rembrandt Harmenszoon Van Rijn e é seu trabalho mais conhecido e certamente uma obra prima. É um óleo sobre tela de 2,16 x 1,70 m e está atualmente no Museu Maurithshuis (Casa de Maurício) em Haia na Holanda.

A tela mostra a atuação do professor de anatomia na dissecação do braço esquerdo de um cadáver, observado atentamente pelos alunos. A dissecação de cadáveres era evento raro e autorizado apenas em condenados à morte. Um a dois por ano. Era um evento científico destinado ao ensino, realizado em um anfiteatro de anatomia e às vezes se permitia o acesso de público leigo, até com cobrança de ingressos.

Rembrandt utilizou-se da técnica luz/sombra (chiaro/scuro) para compor um revolucionário retrato de grupo em que destaca a fisionomia de todos os retratados, inclusive a do cadáver. Essa pintura foi provavelmente uma encomenda da guilda dos cirurgiões de Amsterdã e todos os personagens estão identificados.

O professor é o Dr. Nicolaes Eliaszn, que recebeu o apelido Tulp talvez em referência à casa onde morava que tinha uma grande tulipa esculpida. Nicolas Tulp tinha 38 anos na data da pintura e era o mais importante cirurgião da Holanda, no seu tempo. Conquistara o direito de usar o chapéu de doutor aos 21 anos quando defendeu sua tese na Universidade de Leiden. A intenção da distinção conferida pelo uso do chapéu parece clara na obra.

O cadáver é de Adriaen Adriaanz, morto por enforcamento, acusado de tentativa de assassinato. Adriaen era deficiente mental e tinha cometido antes vários roubos.

Os outros sete personagens têm seus nomes escritos na folha de papel que um deles está segurando, bem ao lado do braço direito do professor.

Na folha de papel estão os nomes dos personagens

Alguns aspectos da obra são interessantes. A anatomia da região dissecada é muito bem representada, porém com um erro anatômico: os músculos flexores têm sua origem anatômica no epicôndilo medial do úmero e não no lateral, como está representado na pintura. Normalmente as dissecações começavam pelo abdome e tórax e não pelo braço. É possível que esse braço dissecado tenha sido baseado em outra dissecação e anexado ao quadro. Há desproporção entre o braço direito e o esquerdo.

Estudos por Raios X mostraram que na pintura original a mão direita do cadáver era apenas um coto. Possivelmente teria sido amputada como pena por roubo. A mão foi pintada posteriormente por Rembrandt.

O personagem mais ao alto originalmente foi pintado com chapéu, depois retirado, conforme demonstraram estudos posteriores por Raios X. Esse personagem não fazia parte da composição original de Rembrandt, foi pintado posteriormente, assim como o personagem mais à esquerda. Ao tomar conhecimento disso, revendo o quadro, fiquei com a impressão de que esses dois tem a expressão menos compenetrada, os outros cinco parecem mais atentos. Aliás, uma hipótese levantada por historiadores da arte é que apenas alguns dos participantes seriam médicos, os outros, talvez os que tinham aparência menos atenta seriam membros da elite burguesa local.

Do lado direito da tela está representado um livro aberto que talvez seja De Humanis Corporis Fabrica de Vesalius, o livro que revolucionou a anatomia e a medicina em 1543, que foi baseado em dissecações e sepultou antigos dogmas anatômicos que vinham desde Galeno. O Dr. Tulp acreditava ser o Vesalius redivivo.

A assinatura do artista está dissimulada, pintada na parede, atrás do aluno mais ao alto e é provavelmente a primeira vez que ele assina Rembrant, anteriormente ele usava as iniciais RHL (Rembrandt Harmenszoon de Leiden).

Referências

1. McNabb, Erica P. V., Sobre a aula de anatomia do dr Hulp, dissertação de mestrado Unicamp 2003
2. Nabais, João-Maria. Rembrandt – o quadro A Lição de Anatomia do Dr. Tulp e a sua busca incessante pelo auto-conhecimento. Revista da Faculdade de Letras Porto 2008-2009 I Série, Volume VII-VIII, pp. 279-296
3. Bezerra, Armando- Admirável mundo médico- a arte na História da Medicina- CRM-DF 2001

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

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