Parece com papai? Os primórdios da genética no século XVI

Ambroise Paré, um dos principais precursores da moderna cirurgia, cirurgião de quatro reis da França no século XVI, deixou uma vasta obra sobre a cirurgia do seu tempo, e embora não fosse médico -foi apenas um cirurgião, que tinham posição hierárquica inferior aos médicos-, escreveu sobre vários assuntos relacionados à medicina. No livro De la generaration de l’homme, publicado em 1573, ele apresenta alguns conceitos revolucionários para sua época, relacionados à concepção humana, objeto de um post anterior, que pode ser lido clicando aqui

Morte do Rei Henrique II.
Acredita-se que Paré e Vesalius estivessem presentes
“Death of Henri II of France, circa 1559
Wellcome M0019802″ Wikimedia


Contrariando o pensamento de seu tempo de que o papel da mulher na gestação era apenas o de servir como um vaso, encarregada de receber a semente masculina e fazê-la germinar e crescer, Paré defendia que a mulher também produzia sua própria semente e que para haver a concepção era preciso o encontro das duas sementes. Claro que ele considerava a masculina mais importante. 


No entendimento do autor, para ocorrer a concepção, as sementes precisavam ser formadas ao mesmo tempo. Se a semente masculina excedesse a feminina em qualidade e quantidade, a criança gerada seria um menino, em caso contrário, uma menina. E ele tenta justificar com isso (vagamente) o fato de alguns casos de mulheres que só tinham meninos com o primeiro marido e só meninas com o segundo. No caso de um mesmo homem e uma mesma mulher terem filhos dos dois sexos ele explicava que as sementes sofriam influência da dieta, da idade e da temperatura.


Sementes quentes e secas geram homens, sementes frias e úmidas geram mulheres. Como havia muito menos força no frio do que no calor e a umidade era mais eficaz que a secura, os meninos eram formados primeiro no útero. Paré assegura que o filho é semelhante aos pais em todos os hábitos. As doenças dos pais são transferidas ou compartilhadas com os filhos como acontece com um título hereditário. A semente era formada com humores provenientes de cada parte do corpo, mas a maior parte vinha do cérebro. Os que eram corcundas davam  crianças corcundas, coxos davam coxos, os leprosos davam leprosos, assim também com os que tinham pedra, epilepsia, os gotosos, os asmáticos, e outras semelhanças aos pais porque a semente segue o poder, natureza, temperamento e compleição daquele que gera. E aqueles que tinham saúde, os filhos teriam saúde, os fracos e doentes geravam crianças fracas e doentes, a não ser que felizmente a semente sadia de um dos pais corrigisse a semente doente do outro. As vezes acontece, (nas palavras dele) mas é raro, da criança não parecer nem com o pai, nem com a mãe e sim com o avô ou algum de seus parentes, pela razão de que, nas partes internas dos pais, o poder de enxerto esconde a natureza do avô, que estava à espreita de uma ocasião adequada.
Espéculos de Paré


Na maior parte das vezes, diz Ambroise Paré, a criança é mais parecida com o pai que com a mãe, porque na hora da cópula, a mente da mulher é mais fixada em seu marido e nessa hora, as formas, a semelhança e aquelas coisas que são conservadas na mente da mulher são transportadas e impregnadas na criança. E ele exemplifica citando o caso de uma certa rainha da Etiópia que deu à luz uma criança branca. A razão era que quando em relação carnal com seu rei, a devotada rainha pensou numa maravilhosa cor branca, com uma imaginação muito forte.  
Paré alertava as pessoas casadas para não terem relações carnais quando voltassem de enterros, mas sim quando viessem de festas e de jogos e que deviam deixar suas tristezas e pensamentos pesados que poderiam ser inoculadas no feto que teria assim a sua alegria substituída pela tristeza.

Uma superstição ainda recorrente no interior do país diz que a mulher grávida não deve olhar para pessoas muito feias porque senão o filho nasce feio, crendice provavelmente originária desse tipo de pensamento antigo e que na verdade era a “ciência” da época. Ou seja, a própria superstição, dita como fruto da ignorância, pode na verdade ter um “fundo científico”.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

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