Os Raios X – A repercussão da descoberta de Roentgen

 

Wilhelm C. Roentgen, na época de sua descoberta

O X da denominação dos raios descritos por Roentgen em 1895 nos remete ao seu significado matemático de desconhecido, mas existe a hipótese de que seu descobridor o tenha empregado apenas enquanto não achava um nome melhor. O fato é que imediatamente após sua descoberta passaram a ser chamados por outros cientistas de “raios de Roentgen”, mas o físico alemão sempre preferiu raios X, com o X maiúsculo. Essa faceta modesta de sua personalidade era verdadeira. Como foi dito no post anterior, Roentgen doou todo o dinheiro do Prêmio Nobel que recebeu em 1901 à Universidade em que trabalhava e nunca quis obter vantagens financeiras com sua descoberta. (Para ler sobre a descoberta dos raios X clique aqui.)
           Willhelm Roentgen, ciente da importância dos raios X, enviou cópias de seu trabalho e de algumas “fotografias” que havia realizado a importantes e influentes físicos de seu tempo, que as receberam com espanto. Logo, em várias partes do mundo suas experiências foram repetidas e confirmadas. O reconhecimento no meio científico e a imediata repercussão nos jornais do mundo todo levaram Roentgen ao status de celebridade, mas ele manteve-se em absoluta discrição. Fez apenas uma conferência sobre os raios X, em 23/01/1896, quando procedeu a leitura de seu trabalho “Sobre um novo tipo de raios” na Universidade de Wuzburg. Nessa ocasião fez uma demonstração prática dos raios X, “fotografando” a mão de Albert Von Kölliker, um renomado anatomista. Kölliker, ao final da apresentação disse ter sido aquele o evento de maior significado em toda a sua vida acadêmica.
          Ainda em 1896, Thomas Alva Edison (o mesmo que inventou a lâmpada elétrica) desenvolveu a fluoroscopia, utilizando telas fluorescentes em lugar das chapas fotográficas para visualização dos raios X.                
     
fluoroscopia- final do século xix

        No Brasil, a repercussão também foi imediata, o que pode ser constatado por uma pesquisa nas revistas médicas e nos jornais leigos da época. Existem dúvidas sobre a primazia da realização das primeiras “fotografias com os raios de Roentgen” no Brasil. Em 20/03/1896 no Rio de Janeiro Francisco Carneiro da Cunha e Manoel Queiroz Ferreira fizeram radiografias de uma mão e de uma caixa com chaves. Na Bahia Alfredo Britto foi o primeiro a utilizar a radioscopia, que foi feita em um soldado, ferido da Guerra de Canudos, em julho de 1897. Nessa campanha militar, os raios X foram bastante utilizados na Bahia.   Há relatos de que no mesmo ano Silva Ramos em São Paulo também produziu suas radiografias. A Gazeta de Noticias, em abril de 1896 noticiava que no Pará, Antonio Marçal, Albino Cordeiro, Antonio Chermont, Paul Cohain e Camarão Antonio de Oliveira conseguiram “magníficos resultados” com a aplicação da descoberta dos raios X. 

                
               Em outubro de 1897 foram inaugurados os “aparelhos de Roentgen” no Laboratório Militar de Bacteriologia no Rio de Janeiro. Usando de um anacronismo, pode-se dizer que a primeira clínica particular de radiologia foi fundada no Rio de Janeiro no final de 1897, pelos médicos Araujo Lima e Camilo Fonseca e pelo engenheiro Henrique Morize.  O Gabinete Clínico de Radiographia, endoscopia e bacterioscopia foi instalado na Rua Gonçalves Dias nº 79 e o editor do Brazil Médico atestava que a tabela de preços era realmente módica e estava ao alcance de todas as bolsas.
                
            A repercussão na imprensa leiga foi intensa em toda partes. O mundo se enchia de esperança com as possibilidades da nova descoberta, especialmente na medicina. No Brasil, em 28 de março de 1896, A Gazeta de Notícias retratava bem esse fato: “A descoberta do professor Roentgen (…)teve em poucas semanas uma tal publicidade, que já nos parece uma acquisição da sciência antiga. E no entanto ainda não começaram industrialmente ou praticamente as acquisições dessa maravilhosa conquista do engenho humano. Nem os médicos ainda abandonaram seus instrumentos de exame tão defeituosos e precários. Nem se prevê a revolução que na arte inteira de curar vai produzir o prestigioso facho de luz nova.”  Dizia ainda que as sessões acadêmicas na França mais parecem reuniões de fotógrafos amadores que de cientistas. 
                
        
As mãos de M. Kassabian

   Em pouco tempo foram inventados aparelhos para produção de raios X, para uso médico e também para curiosos. Thomas Alva Edison, um profícuo inventor, construiu e comercializou alguns desses aparelhos.Os efeitos nocivos da radiação logo se fizeram notar, com as lesões cutâneas, queimaduras, ulcerações provocada pela exposição aos raios X, que eram muito prolongadas. Para se obter uma chapa fotográfica era necessário em torno de 30 minutos de exposição. Edison escreveu: “Eu comecei a fazer muitas dessas lâmpadas que emitem raios-X, mas logo percebi que os raios X afetaram venenosamente meu assistente, Sr.Dally, de tal forma que seu cabelo caiu e sua carne começou a ulcerar. Concluí então que não daria certo, que esse tipo de luz não seria muito popular, então parei.” Dally morreu aos 39 anos, com carcinoma epidermóide extenso. Teve os dois braços amputados. Mihran Kassabian, médico que se dedicou aos raios X, em 1900 começou a descrever uma dermatite em suas mãos que atribuía aos raios X. A evolução carcinomatosa dessa dermatite foi a causa de sua morte precoce.
O Dr. Álvaro Alvim, um dos pioneiros da radiologia no Brasil teve extensa radiodermite, que levou à amputação de suas mãos.

Havia também os devaneios. Em 06/07/1896, o Jornal do Brasil publicava que a Sociedade de Temperança de Londres queria persuadir os “alcoólicos, que se deixem fotografar à luz dos raios Roentgen e fazer-lhes ver depois as devastações causadas no seu organismo pela intemperança. (…) para verem nos clichés os progressos do mal ou os felizes effeitos da sua morigeração”  E concluía: “a sociedade não duvida do efeito moralisador daquelles clichés de novo gênero”. Ainda do Jornal do Brasil de novembro de 1896, sobre as maravilhas dos raios X : “alguns médicos projectaram os raios X de Roentgen sobre a cabeça de um cego e, com grande espanto de todos, alguns minutos depois o cego havia recuperado a vista”. Talvez fosse nessa notícia que Machado de Assis se baseou para fazer esse comentário em uma crônica na Gazeta de Notícias, com sua refinada ironia: “Afinal, neste século tudo é possível, haja vista a descoberta dos raios- X e que na América, anunciam ser possível dar a vista aos cegos, o que, aliás, Antonio Conselheiro estava fazendo sem nenhum aparelho em Canudos.”
               
referências bibliográficas
1. Roentgen, Wilhelm K. On a new kind of rays. s.l. : publicado em Resonance june/2005, 1896.
2. Grassler, Otto.Wilhelm Conrad Röntgen and the Early History of the Roentgen Rays. San Francisco : Norman Publishing, 1993 (reprint).
3. Mould, Richard F.A century of X-Rays and radioactivity in medicine. Philadelphia : Library of Congress, 1993.
4. Grandinetti, Helvecio. As primeiras radiografias. Rev Imagem. 30(2):61–69, 2008.
5. —. O pioneirismo da Bahia no uso dos raios-x na Guerra de Canudos. Rev Imagem 2007;29(3):101–105.
6. Martins, Roberto A. Investigando o invisível: as pesquisas sobre raios X logo após sua descoberta por Röntgen. Revista da SHBC. 17:81-102, 1997.
7. Arruda, Walter O.WILHELM CONRAD RÖNTGEN 100 anos da descoberta dos raios X. Arq Neuropsiquiatria. 54 (3) :525-531, 1996.
8. DiSantis, David J. Early American Radiology: The Pioneer Years, AJR 147:850-853, October 1986
9- Lima, Rodrigo S, Afonso, Julio, Pimentel, Luiz C.F. Raios X: Fascinação, Medo e Ciência- Quim Nova, Vol 32 2009 1, 263-270

 Fontes:
Jornal do Brasil edições 06/07/1896, 26/11/1896
Gazeta de Noticias edições 28/03/1896, 17/4/1896,
Brazil Médico edições 15/10/1897, 22/12/1897

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

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