Este quadro, do pintor e ilustrador inglês Sir Samuel Luke Fildes (1843-1927) é uma das representações mais conhecidas e mais tocantes da medicina. Pintado por encomenda do industrial Henry Tate, foi concluído em 1891 e está hoje na Tate Galery em Londres. Para a realização da pintura, Fildes construiu no seu estúdio um cenário que retratava uma cabana pobre, adotando os cuidados necessários para garantir os efeitos que queria da luz.
O cenário desta pintura é de um ambiente de família pobre, a criança doente está improvisadamente acomodada sobre duas cadeiras, à guisa de leito. A iluminação do lampião sobre a mesa, coloca em primeiro plano a figura do médico, em atitude contemplativa e a criança gravemente enferma, prostrada. O jogo de luzes acentua a tristeza, ao fundo, do pai, que tem sua atenção toda no médico, ao tempo em que tenta consolar a mãe exausta e desolada.
É possível que Fildes esteja retratando o seu próprio maior drama pessoal e homenageando um certo Dr. Murray, que atendeu ao seu filho Philip, vítima de uma doença infecciosa e que faleceu na manhã do Natal de 1877. Fildes ficou profundamente emocionado e agradecido pelo desprendimento do Dr. Murray, que passou a noite ao lado do paciente, mesmo sabendo de sua incapacidade de controlar a infecção. O próprio autor declarou que sua motivação para o quadro foi deixar registrado o status do médico no seu tempo.
Se atentarmos para o detalhe ao lado, podemos ver que pela janela da casa parecem estar entrando os primeiros raios de luz da manhã, que iluminam o lado esquerdo da face do pai e as costas da mãe e parecem chegar ao rosto da criança. A iluminação do lampião, do outro lado, os utensílios sobre os móveis indicando a preparação de medicamentos, mostram que o médico passou a madrugada ao lado do pequeno paciente.
Fildes esclareceu que sua intenção, foi mostrar que a chegada da luz do dia indica a possibilidade da recuperação da criança (“a madrugada é o período crítico de uma doença mortal”, ele escreveu) e devolve a esperança ao coração de seus pais.
A pintura é repleta de significados e representações, e emociona. A força do olhar do médico ao paciente a do olhar do pai colocando sua esperança no médico, suscita, mesmo mais de um século depois, profundas reflexões sobre o papel do médico na sociedade, da própria função social da medicina e sobre a transformação que vem sofrendo a relação médico-paciente. A medicina vai aos poucos se “industrializando”, com técnicas diagnósticas e terapêuticas cada vez mais sofisticadas, levando muitas vezes a uma abordagem impessoal do paciente, privando-o da anamnese cuidadosa, do exame físico detalhado, da orientação personalizada e afetiva que leva à confiança, esperança, conforto e cura.
The Doctor é uma das mais conhecidas telas no mundo sobre a medicina e certamente uma das mais icônicas. Um professor de medicina escreveu no British Medical Journal em 1892: “Uma biblioteca de livros feitos em nossa honra não faria o que esta pintura tem feito e fará pela profissão médica, ao tornar os corações de nossos semelhantes aquecidos com confiança e afeto por nós”.
Parabéns Neto por recuperar e ressaltar o que esse quadro representa. Recriar e valorizar o tema Humanidades Médicas numa época tão distante dos maiores valores da medicina é fundamental.
Excelente, Neto, você é o erudito da nossa turma. Adoro suas pesquisas e seus textos.
Continue a nos brindar com essas pérolas.
Arnaldo
Essa pintura é comovente e intensa! Achei muito interessante saber de seus detalhes e entrelinhas. Obrigada pelos aprendizados, Dr Neto! Abs Luciana
Neto, essa pintura em óleo em tela “The Doctor, exposta no Tate Gallery-Londres, do pintor inglês Samuel Luke Fildes concluída em 1891, na minha visão, reflete os ensinamentos de Hipócrates, pai da medicina, descritos na antiga Grécia.
Retrata, na minha percepção, a interação “médico-paciente-familiares” perdurando toda a noite. E o médico, pelo que infere através do seu olhar compassivo e atento faz uso de todas as suas possibilidades e faculdades de cura. Permanece ao lado do enfermo e de seus familiares.
Nesta compassiva interação o médico se “humaniza” e a sua medicina passa a ter o brilho das demais estrelas, que não aceitam a crescente dissolução da interação médico-paciente que conduz à inexorável desumanização da atividade médica.
Parabéns para o nosso historiador da medicina Dr. Neto, pelo feliz e enriquecedor artigo, em homenagem ao Dia do médico.
Este quadro esta pintado em azulejos na entrada do Hospital Ribeirão Pires, em Ribeirão Pires – SP, é um quadro muito lindo.
TucaMicuim TM (tucamicuim@gmail.com)
Que maravilha, meu amigo, sua sensibilidade e erudição nos trazem uma análise emocionante, da obra. Muito obrigada e parabéns pelo dia do médico!
Olá Rui. O quadro realmente é emocionante. Fildes foi um dos principais membros do movimento chamado de realismo social. Para fazer The doctor, ele montou um cenário em seu atelier e fez vários esboços até conseguir o efeito que queria. Tate lhe pagou 3000 libras na época pelo quadro. Obrigado pelo apoio ao blog.
Que maravilha, Neto!
É um quadro de uma “intensidade” sem igual!
Um abraço
Neto, tive oportunidade de visitar Tate Gallery em Londres e estive em frente à The Doctor. Nós que tivemos uma formação "holística", em nosso curso médico, não conseguimos passar os olhos no quadro e ir embora. Fiquei um tempo, que não sei precisar, tomado pela sensibilidade e detalhes que o autor do quadro conseguiu transmitir. Emocionante, seria a palavra mais simples para definir a pintura.