O Almanak e o Dr. Matta Machado

Pesquisando fontes históricas para a história de Madame Durocher, publicada no post anterior, encontrei o Almanak Medico Imperial da Pharmacia Diniz para o ano de 1880, de saborosa leitura que permite ter uma ideia do pensamento médico no último terço do século XIX. O Almanak foi elaborado pelo proprietário da farmácia, o Dr. Francisco Corrêa Diniz, pharmaceutico da Casa Imperial e “collaborado por distinctos médicos”. 
No livreto, o Dr Diniz faz uma “enumeração a mais circunstanciada e exacta de todos os médicos d’esta côrte.” Contei na lista, 318 médicos, com endereços e especialidades, 17 parteiras, 25 dentistas e um veterinário.

Entre as parteiras havia mesmo destaque para Durocher, “parteira da Casa Imperial”, que tinha como endereço a Rua General Câmara 97. No mesmo endereço atendia o médico Francisco Lopes de Oliveira Araujo, que tinha como especialidade “partos, moléstias que acompanham e secundam a prenhez, e dos órgãos de geração da mulher”. Quase todas as parteiras relacionadas eram identificadas como Mme (madame) e muitas delas tinham sobrenomes franceses.

Para ter uma estimativa da população do Rio de Janeiro da época, recorremos ao censo de 1872 que apontava 274972 habitantes e em 1890 esse número subiu para 522651. Levando-se em conta que houve um intenso fluxo migratório principalmente de Portugal entre 1880 e 1891, creio que podemos especular uma população em torno de 350 mil pessoas em 1880. Nessa hipótese, na ocasião a cidade do Rio de Janeiro contaria com um médico para cada mil habitantes, índice elevado para os padrões da época.

Na relação dos médicos do Almanak, cerca de 10% deles tinham como especialidade o tratamento da sífilis, que então representava um grave problema de saúde pública. Encontramos também o nome do Dr. José Cardoso de Moura Brasil que tinha como especialidade moléstias dos olhos e atendia na Rua do Ouvidor. Moura Brasil foi médico de destaque, membro honorário da Academia Nacional de Medicina, pioneiro da oftalmologia brasileira.

Dr. João da Matta Machado em retrato de 1884

Encontrei na lista também um certo Dr. Matta Machado, que atendia à Rua de Teófilo Ottoni nº 78. Esse personagem chamou minha atenção pelo fato de eu ter um amigo e colega de faculdade com o mesmo sobrenome. Investigando um pouco mais, descobri que provavelmente trata-se do Dr. João da Matta Machado, nascido em 1850, de Diamantina, MG, que formou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e que logo foi atraído para a política, elegendo-se deputado geral por Minas Gerais várias vezes e tornando-se um influente político do Império. Foi Conselheiro do Império e Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Em dezembro de 1874, na presença do Imperador Pedro II, João da Matta Machado defendeu sua tese doutoral de conclusão do curso: Educação physica, moral e intelectual da mocidade no Rio de Janeiro, e da sua influência sobre a saúde.
Entre as recomendações expressadas nessa tese, o jovem acadêmico apontava a importância dos cuidados higiênicos na primeira infância, destacando a mãe como a mais importante nesses cuidados. Condenava uma pratica vigente na época de colocar bebidas alcoólicas na água do banho na criança após o parto, recomendando apenas água e sabão. Enfatizava a importância da amamentação pela mãe e que o leite materno deveria ser o único alimento da criança até o 6º mês. A utilização de ama de leite só deveria ser feita quando a mãe estivesse impossibilitada, quando fosse  “muito delicada, de temperamento lymphatico exagerado, ou sofrer qualquer moléstia diathesica, contagiosa ou hereditária, o aleitamento materno deve ser severamente prohibido em beneficio da mãe e do filho.” 

Fiquei contente quando descobri que o Dr João da Matta Machado era bisavô do meu amigo Manoel da Matta Machado.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem 4 comentários

  1. Neto Geraldes

    Olá Milton, obrigado por ter lido o blog. Pelo que eu apurei, o juiz Manoel da Matta Machado era filho do médico João da Matta Machado.

  2. Olá Silvia, que bom que gostou. Muito obrigado pelo estímulo.

  3. Anônimo

    Dr. Neto, estou amando este blog. Leitura gostosa e elucidativa. Parabéns!
    Grande abraço, Silvia (mãe da Dani)

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