O texto abaixo foi escrito para atender a um exercicio proposto pelo professor de História da América I da Faculdade de História da Universidade de Brasilia, Jaime Almeida.
“Quais foram as minhas primeiras experiências com a cultura da América Espanhola (no todo ou em parte), o Caribe e os USA/Canadá”. 27/04/2005
Minhas memórias relacionadas à América remontam ao princípio da década de 60 do século passado, em uma pequena cidade do interior de São Paulo chamada Bálsamo, de economia estritamente agícola na época, que tinha pouco mais de 3 mil felizes habitantes, um grupo escolar, um ginásio estadual. As principais opções de cultura eram as informações obtidas por meio da escola, do rádio, dos filmes exibidos três vezes por semana no único cinema. O primeiro aparelho de televisão só apareceu por lá em em 1961 ou 1962, as transmissões ocorriam só à noite e em um único canal (Tupi). As poucas casas que tinham televisão recebiam visitantes assíduos, os televizinhos. Assinavamos o jornal O Diario de Sao Paulo e a revista O Cruzeiro. Todos os dias eu esperava meu tio Zé Carvalho chegar de Rio Preto, onde trabalhava, pois ele sempre trazia o jornal A Gazeta Esportiva. Não havia bancas de revistas na cidade, mas um jornaleiro passava uma vez por semana lá em casa, quando minha mãe comprava os nossos gibis e revistas femininas com fotonovelas como Capricho, Sétimo Céu.
Neste esforço de memória, creio que minhas primeiras lembranças relacionadas à América datam de 1962, relacionadas à Copa do Mundo de futebol realizada no Chile e onde o Brasil conquistou o bicampeonato mundial. A sede dos jogos da seleção brasileira foi a cidade de Viña del Mar e os radialistas não se cansavam de elogiar a capacidade do povo chileno, que conseguiu reconstruir o país a tempo de permitir a realização da Copa. Em maio de 1960, o Chile havia sido gravemente atingido por um terremoto que provocou grande destruição e mais de cinco mil mortos. Dois ou três anos depois, o cinema de Bálsamo exibiu dois filmes de um artista chileno chamado Antonio Prieto, que me deixaram vivamente impressionado: La Novia e Cuando Calienta el Sol. Tão impressionado, que consegui comprar o disco do segundo filme, e ainda me lembro das canções.
O cinema foi ainda, o principal elo de ligação com a cultura dos EUA. O “american way of life” era divulgado pelos musicais, comédias e vários outros gêneros, mas gostávamos muito das fitas de “faroeste” ou de “caubói” que foram importantes na minha infância, não só pelos filmes em si, mas também porque era quase obrigatório brincar de “mãos ao ar”. Raros filmes retratavam, com interesse histórico, o que representou para o indígena e para os mexicanos a colonização do oeste americano. Aprendíamos nos filmes que os mexicanos eram meio abobalhados e que índios eram maus, agressivos, guerreiros, escalpeladores. Meu amigo Luis Alfredo Lindoso me contou que na pequena cidade do Maranhão onde morava, o ingresso para filmes de “caubói” era mais caro quando tinha índio.
Naquela Bálsamo dos anos dourados, os primeiros contatos que minha geração teve com a música americana e latina, foram por meio do rádio, do cinema e também da Rádio Propaganda Balsamense, “Uma voz amiga a serviço da cidade”. A Rádio era um serviço de alto-falantes de bom som, na qual os locutores Oswaldo e Luis Nogueira entretinham as pessoas que faziam o footing no Jardim, com reclames do comércio regional, notícias e, claro, música, que frequentemente “alguém oferecia a alguém como prova de amizade” ou algo mais.
O Cine São José, na minha cidade, foi responsável também pelos meus primeiros contatos com a cultura do México, pois exibia e reexibia muitos filmes mexicanos, particularmente os de dois artistas: Cantinflas, um comediante muito engraçado e do cantor Miguel Aceves Mejia, que fazia uma espécie de musical aculturado, com seus mariachis. Com relação à música latina, não posso deixar de citar os bailes do Clube Recreativo e Esportivo Balsamense, nos quais a última dança era invariavelmente uma seleção de boleros cantados em espanhol, que conhecíamos de cor e salteado.
Em 1967 o professor de português do Colégio de Mirassol SP, cidade vizinha onde fiz o curso científico, propôs uma discussão sobre a figura de Walt Disney, então ícone da cultura americana, já em franca globalização. A classe inteira manifestou-se favoravelmente à Disney: amigo das crianças, só ensinava coisas edificantes, etc. O professor propôs então um julgamento: ele seria o acusador e um grupo de nós, a defesa. Com base em teses como o imperialismo americano e invasão cultural, ele acusou Disney de colocar sua arte a serviço do imperialismo. Ao final do julgamento, Disney foi condenado por ser influenciar negativamente a cultura brasileira e a pena foi que ficássemos um certo tempo sem comprar a revista Pato Donald. Daí a discussão evoluiu para outros temas como a Guerra da Coréia, Guerra do Vietnã. Isso era 1967, ano 3 da Revolução. Foi também a primeira vez que, aos 14 anos, percebi, de alguém influente, críticas ao regime vigente no Brasil.
Tive pouco contato com a História da América no curso ginasial e no científico. Minhas lembranças dos livros de História Geral apontam para uma sucessão de datas e fatos. Lembro-me de ter estudado superficialmente sobre a Guerra do Paraguai e aprendido que Solano López era um tirano cruel e obstinado em conquistar a América, mas não foi páreo para os heróis brasileiros.
Por fim lembro-me de um professor do cursinho pré-vestibular (COC, Ribeirão Preto, 1969), que disse que em História deve-se tomar cuidado com o que se lê ou escuta, pois a “História do Brasil, no Paraguai é outra”.
Oi, Neto. Bem legal seu texto! Estou ansiosa pelo próximo : história da Rádio Propaganda Balsamense e principalmente o do CREB.
Sônia
Caro Neto: que bom reler esse texto que você apresentou numa de nossas aulas de História da América! Com ele você se destacou dos demais estudantes, não pela diferença de idade, mas pela qualidade literária da escrita, pela clareza no tratamento da informação, dez!
Programei para os próximos posts contar a história da Rádio Propaganda Balsamense e do CREB. História ou saudade?