Epônimos: O Mal de Hansen.

     200816           
Gerhard Heinrick Armauer Hansen
                  Em 1995 o governo brasileiro resolveu proscrever o termo “lepra”, por conta do estigma que a palavra carregava. Em lugar de lepra, determinou que oficialmente o termo a ser empregado deveria ser hanseníase. A denominação vem de um sinônimo de lepra empregado desde o final do século XIX: Mal de Hansen ou Doença de Hansen.
                O epônimo refere-se a Gerhard Henrick Armauer Hansen um médico norueguês, que realmente está intimamente ligado à história da doença. Hansen, nascido em 1841 concluiu o curso de medicina em 1866 e em 1868 foi contratado como assistente de Daniel Cornelius Danielssen, então a maior autoridade na Noruega em lepra. Danielssen, juntamente com Wilhelm Boeck publicaram em 1847 um livro chamado “Om Spédalskhed” ou “Elephanthiasis graecorum” [1]. Esse livro tornou-se referência em lepra na Europa e foi o trabalho chave no entendimento das manifestações patológicas da enfermidade. Danielssen identificou as características clínicas da doença, então confundida com numerosas outras dermatoses e distinguiu as formas clínicas que hoje conhecemos como lepromatosa e tuberculóide.
                Armauer Hansen dedicou toda a sua carreira ao estudo da lepra. Em 1874 publicou um artigo em que descreve um microorganismo em forma de bastão presente em células de tecidos obtidos de doentes. Danielssen, mais de 20 anos antes já havia descrito a existência dessas estruturas, que ele chamou de “brown elements”, mas não atribuiu a elas nenhum papel etiológico. Na época prevalecia a teoria de que a lepra era uma doença hereditária, não contagiosa. Até aquele momento, nenhum micro-organismo havia sido responsabilizado como causador de nenhuma doença.
       
      Hansen era muito ligado a Danielssen, tanto profissional como pessoalmente, tanto que acabou se casando com a filha do mestre. Poucos meses depois do casamento Stephani, sua esposa, faleceu, vítima de tuberculose. Esse sofrimento pessoal aumentou a ligação entre os cientistas, entretanto as ideias de Hansen sobre a contagiosidade da lepra contrariavam a opinião de Danielssen que defendia a teoria de que ela era uma doença exclusivamente hereditária.
Albert Neisser
Em 1879 Hansen recebeu a visita de Albert Neisser, um jovem assistente do já famoso médico alemão Robert Koch[2]. Hansen tentou convencer Neisser do papel desses bastões na etiologia da lepra e forneceu-lhe material com tecidos de doentes. Neisser prosseguiu os estudos com esse material e graças às técnicas desenvolvidas por Koch, principalmente relativas às colorações, conseguiu fazer um bom estudo microscópico. Dois meses depois de sua estada com Hansen, Neisser publicou uma descrição detalhada desses bastões e reivindicava ser aquela a primeira descrição do micro-organismo possivelmente causador da lepra.
Danielssen, embora fosse um ferrenho defensor da teoria da hereditariedade na lepra, teria ficado indignado com o que ele considerou uma “tentativa de roubo” da descoberta de Hansen e passou a apoiar seu assistente. Essa postura ajudou a quebrar o paradigma da hereditariedade e dar força aos argumentos de Hansen sobre a etiologia microbiana. Ainda em 1879 Hansen publicou um artigo que chamou de Bacilus leprae em que reivindica a precedência e esclarece que havia mostrado o bacilo a Neisser e cedeu o material a partir do qual o alemão continuou suas pesquisas.
No primeiro Congresso Internacional da lepra realizado em Berlim em 1897 foram referendadas as observações de Hansen, ratificadas em 1909 no Congresso de Bergen, na Noruega, cidade em que Hansen morava. Hansen foi reconhecido como o único descobridor do bacilo da lepra. 



[1] O termo Elefantíase-dos-gregos era outro sinônimo de lepra.
[2] Koch  viria a se tornar um dos principais expoentes da teoria microbiana das doenças e foi o descobridor do bacilo causador da tuberculose.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Deixe seu comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.