Linfomas são neoplasias malignas do sistema linfático e são classificados basicamente em dois grupos: os Linfomas de Hodgkin e os Linfomas Não Hodgkin. O epônimo aí existente é um dos mais conhecidos na medicina e deve-se ao médico inglês Thomas Hodgkin, que publicou em 1832 o artigo On Some Morbid Appearances of the Absorbent Glands and Spleen. Nesse trabalho, ele correlacionou o quadro clínico e as alterações observadas nas autópsias de sete pacientes que apresentavam aumento dos gânglios linfáticos e do baço. Notou que aquelas alterações ganglionares eram diferentes das que eram observadas nas moléstias então conhecidas, como a tuberculose. Observou também que os linfonodos próximos eram afetados de maneira ordenada e o comprometimento do baço era tardio. Hodgkin deixou preservados várias peças anatômicas de seus estudos, e na verdade, não tinha ideia da natureza daqueles achados. Sua intenção fora apenas mostrar a peculiaridade das alterações encontradas, que tinham em comum o aumento dos gânglios linfáticos e do baço.
O tema permaneceu esquecido até 1865, quando Samuel Wilks publicou um artigo que chamou de Cases of Enlargement of the Lymphatic Glands and Spleen, (or, Hodgkin’s Disease,) with Remarks. Wilks inicialmente achava que suas observações eram pioneiras, mas tomando conhecimento do trabalho de Hodgkin reconheceu a sua precedência e foi o primeiro a chamar aquela entidade nosológica de Doença de Hodgkin.
Em 1926, ou seja, quase um século depois, Hebert Fox realizou exames histopatológicos em tecidos preservados dos sete casos originais e concluiu que quatro deles eram realmente Doença de Hodgkin. Nos outros, os diagnósticos foram de tuberculose, sífilis e leucemia.
Nascido em Pentonville, na Inglaterra, em 17/08/1798 e graduado na Universidade de Edimburgo em 1823, Hodgkin exerceu a medicina no Guy’s Hospital Medical School em Londres, onde era professor de Anatomia Patológica e curador do Museu de Anatomia. Ali foi contemporâneo de Thomas Addison e Richard Bright, ambos muito respeitados e também com doenças ligadas aos seus nomes. Hodgkin sempre buscou correlacionar os achados clínicos com as alterações que encontrava nas autópsias e manteve registro detalhado de todos os exames necrológicos que realizou entre 1826 e 1836 bem como conservou peças anatômicas de boa parte dos casos estudados. Foi também pioneiro na descrição da insuficiência aórtica e deve-se a ele a introdução do estetoscópio, recém-inventado por Laennec na França, no seu hospital.
Vindo de uma família que pertencia ao movimento Quacker, Hodgkin era muito religioso e rigoroso na defesa de convicções, acarretando muitas desavenças. Em 1837 pleiteou a vaga de médico assistente no Guy´s Hospital, que desejava muito. Benjamin Harrison, que era o poderoso administrador da instituição, e com quem Hodgkin tinha uma conflituosa relação, decidiu nomear Benjamin Babington para o cargo. Isso fez com que Hodgkin pedisse demissão do hospital. Dentre as razões das cizânias entre os dois estavam as críticas veementes que Hodgkin fazia à Hudson Bay Company, por conta da exploração dos indígenas americanos pela empresa, de cujo conselho Harrison era integrante.
Hodgkin, que no dizer de seu irmão John era um “campeão de todas as causas perdidas”, dedicou grande parte dos seus esforços defendendo causas sociais de proteção à pobreza e a povos oprimidos no mundo todo. Pertencia a várias organizações de alcance social. Morreu em 04 de abril de 1866 de disenteria, numa viagem de motivação filantrópica à Palestina.
Referências
- Hodgkin, T. On some Morbid Appearances of the Absorbent Glands and Spleen. Med Chir Trans. 17: 68-114, 1832.
- Stone, M. Thomas Hodgkin: medical immortal and uncompromising idealist. Baylor University Medical Center Proceedings, 18:4, 368-375. 2005.
- Rosenfeld, L. THOMAS HODGKIN (1798-1866):Morbid anatomist and social activist. Bull. N.Y. Acad. Med. Vol. 62, No. 2, March 1986.
- Rosenfeld, L. Hodgkin’s Disease: Origin of an Eponym- and one that got away. Bull. N.Y. Acad. Med. Vol. 65, No. 5, June 1989.
- Bombardiere, S. G. Historia de la enfermedad de Hodgkin. Ars Medica. 18(1), 54-63, 2016.
- Hancock, B.W. Early clinical pathologists 2 Thomas Hodgkin:pathologist, physician, and philanthropist. J Clin Pathol 1990;43:616-618.
Revisão: Ana Raquel Costa Geraldes
Muito legal essa coluna de epônimos! Por favor, continue!
Neto, gostei de conhecer a história do doutor Thomas Hodgkin. Achei maravilhoso conhecer mais um médico que ajudou a construir a nossa medicina. Para mim é muito enriquecedor conhecer um pouco da história de quem descobriu e descreveu a doença de Hodgkin e a insuficiência aórtica, e ainda saber, que também ele não se curvava para o autoritarismo doentio das autoridades médicas, também existentes em sua época.
Lembrei-me da aula do Prof Plínio Caldeira Brandt sobre a insuficiência aórtica: pulso martelo d’água, o balanço da pena no chapéu do paciente que é portador desta valvulopatia, nas enfermarias do Hospital HUB – Brasilia.
Abraço.
Lázaro Marques
Formado com o autor em 1975, 5º turma da UnB.
Muito interessante! Essa parte social me surpreendeu bastante.
Neto, mais uma vez vou melhorando minha cultura médica com seus textos. Também não conhecia essa faceta do Hodgkin de defensor das causas sociais.
Neto, mais um dos seus maravilhosos textos. Fiquei surpreso com a luta do Hodgkin pelos oprimidos.