Causos de Bálsamo: A chegada da TV

Televisor Invictus, o primeiro a ser fabricado no Brasil

         Recebi há poucos dias um email de um antigo amigo de infância, Homeres Dias Rezende, o Merão, que morou em Bálsamo até o final da década de 1960. Muitos certamente se lembrarão dele e de seu pai, Agenor Tintureiro, de uma época em que a profissão era sobrenome e carregado com orgulho.
Pedindo licença a ele, transcrevo abaixo um trecho da sua correspondência:
“O maior homem de Bálsamo (fisicamente) era o Jeromão. Foi de sua propriedade a primeira TV da cidade. O problema era a antena, para captar o sinal.  O Zé Torcani, resolveu o  impasse com uma estrutura metálica de 20 mts de  altura. Corria o ano de  1963, haveria um jogo, decisão do Campeonato Mundial de Clubes – Santos (de Pelé, Coutinho, Zito, Pepe) e Milan da Itália (com Amarildo, Dino Sani, Rivera, Sivori). Era uma quinta -feira, estávamos no cinema, assistindo ao filme da  história de Lidenberg, a primeira travessia  aérea do Oceano Atlântico. Acabada a sessão o Nelton Pelissoni, com um rádio portátil disse: 2 a 0 para o Milan – o jogo era no Maracanã. O 1° jogo, o Milan tinha vencido. O Santos precisava ganhar para ter a “negra”. Todos fomos para frente da casa do Jeromão, ver, assistir ao jogo. A cidade inteira na rua São Paulo. Ele fez um jirau, com mesa sobre mesa, cadeira sobre cadeira…Transmissão Tv.Tupy- canal 4, narração Raul Tabajara, comentários Paulo Planet Buarque, patrocínio wiskey Druris (maravilhoso) O Santos ganhou de 4 a 2 com  2 gols de Pepe de falta (o canhão da Vila). Foi a 1° vez que vi televisão, eu e o Julinho…ficamos admirados da tecnologia e a vitória de um time brasileiro.”
            Em Bálsamo só pegava a TV Tupi e apenas me lembro do locutor Walter Abrahão, dos comentários de Geraldo Bretas, ranzinza e de voz estridente, e das reportagens de Ely Coimbra e Roberto Petry. Não me lembro do Raul Tabajara.
A partir desse relato do Merão, resolvi especular sobre a chegada da TV em Bálsamo, que foi realmente um acontecimento. Novidade das novidades. O Julinho confirma que o Jeromão teve o primeiro televisor. Minha mãe conta que meu pai chegou a comprar uma televisão em Mirassol logo que os aparelhos começaram a chegar na região, mas uma semana depois voltou à loja e trocou por um gravador. A TV não pegava nada.

Waldecir Navarrete Pelissoni, da minha turma de infância, disse que o primeiro aparelho foi do Seu Aparecido Machado, pai do Roberto Pinheiro Machado. Robertinho conta:

“Nós chegamos em Bálsamo em 22 de setembro de 1963. Levamos uma televisão Invictus que só servia para minha mãe colocar bibelots em cima. Não pegava nada. Chuvisco puro e mal dava pra ver alguma coisa. Eu sabia da existência de uma única outra TV em Bálsamo que era do Sr. Euclides Borguezan, pai do Hernane, que estudava em nossa classe no 1º do Ginásio.”

            Outro amigo, Manuel Silva, que gosta de ser chamado de Mané da Nympha, tem convicção que a primeira TV foi do Dr. Denir Zamariolli, que morava na rua Rio de Janeiro. Talvez o Claudio Mariani, que era o responsável pelo eventual conserto de todos os poucos aparelhos da cidade, possa esclarecer o pioneirismo. Eu me lembro que o Sr. Lucio Vacari foi um desses pioneiros. Seu filho Luís, o Didio, uma vez me convidou (depois de muita insistência minha) para assistir a um jogo do São Paulo na sua casa. Era só chuvisco e umas sombras se movimentando. O resultado só soubemos pelo rádio.
            Mais tarde, compramos uma TV Semp, o sinal já era melhor, conseguíamos acompanhar os programas. Em Bálsamo só pegava a TV Tupi, canal 4.  Lembro que à noite enchia de gente lá em casa (eram o que se chamava de televizinhos) para ver a novela “O Direito de Nascer”, um dramalhão cubano, que fez um sucesso estrondoso. A novela fez tanto sucesso que a atriz principal, chamada Guy Loup, mudou seu nome artístico para Isabel Cristina, o mesmo de sua personagem. Uma das minhas funções durante a novela, era ficar de olho no botão “vertical” para ajustar a tela, que frequentemente ficava com aquelas listras irritantes rodando de cima para baixo.
Num dia de dezembro de 1967 minha mãe acordou bem cedo e deu pela falta da TV, que ficava no local mais nobre da sala. Durante a noite os ladrões entraram e levaram só a televisão. Não mexeram em mais nada, não fizeram sujeira, não deixaram rastro. Era tão raro ladrão na cidade que foi um acontecimento! Muita gente foi lá em casa ver o local do crime e dar seus palpites. O delegado se ocupou do assunto por vários dias. Chegou a ir em diligência até Monte Aprazível, por conta de uma denúncia. Em vão. Nunca mais tivemos notícia dela. Com certeza os ladrões eram profissionais. E de fora. 

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem 6 comentários

  1. Neto Geraldes

    Eu me lembro dessa novela! Eu lamentava não pegar a Record em Bálsamo, por causa da Família Trapo (Ronald Golias, Renato Corte Real, Otelo Zeloni, Jô Soares), dos programas de música: Jovem Guarda, Fino da Bossa, depois os festivais. A TV mudou o cotidiano da pequena cidade.
    O livro Consertador de Menino, que você escreveu está famoso em Bálsamo. Distribui para vários sobrinhos e sobrinhas que resolveram aumentar a população da cidade.

  2. Rui Tavares

    Neto, quando o sinal da TV Tupi chegou em Guaraçaí, a primeira novela, que eu assistia no televizinho, foi "Nino – O Italianinho". A Aracy Balabanian era a atriz principal e contracenava com Juca de Oliveira. Nunca se vendeu tantos canos para se montar as antenas. Quando mudei para Penápolis em 1967, com o sinal muito melhor, pude assistir "Beto Rockfeller" em 1968. Eu era apaixonado pela Irene Ravache, que fazia o papel de irmã do Luis Gustavo (Beto). Boas lembranças.

  3. Neto Geraldes

    É verdade, Lolinha. Teve mesmo a pegada, que rendeu muitas teorias. E falou-se muito nessa história de o ladrão ter usado um pó soporífero pra ninguém acordar. Todos dormíamos com as portas dos quartos abertas (e quase sempre com a luz acesa)e os quartos davam direto na sala.
    Que coisa!

  4. LOLE

    A minha memória do roubo da TV (de 7 anos de idade) é de uma enorme marca do sapato do ladrão (diferente da sua) e da certeza dele ter jogado um pó para que não acordássemos, já que o Joãozinho levantava toda noite para dormir com nossos pais e nessa noite, felizmente, não foi.

  5. Neto Geraldes

    É mesmo, Fátima. Essa história de subir no telhado para ajustar a antena era frequente. E quando tinha programa importante, a gente subia preventivamente.

  6. Fantástico,Dr. Neto!! Que memória!!! Acho que todos nós passamos por situações parecidas. Lembro-me em Presidente Prudente, onde moramos até 1962, televisão não pegava mesmo e meu pai decidiu não comprar, preferiu partir para uma radiola grande. Quando íamos em férias para Juiz de Fora, era uma euforia, pois a minha avó paterna tinha uma TV e pegava bem, ficávamos maravilhados. Quando mudamos de Prudente, o meu pai comprou uma TV, mas era aquele problemão, o meu pai subiu no telhado e mexia a antena externa de um lado para outro, e gritava…"Tá bom?"…resposta: Não…"E agora?…kkk. Hoje a gente pode mesmo rir e sentir muitas saudades daquele tempo tão bom, que não volta mais. Parabéns pela história tão bem escrita e com riqueza de detalhes! Eita memória! Uma abraço. Fátima Aragão.

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