A expressão “doido de pedra” é bem antiga, com várias referências em textos de séculos passados. Uma possível explicação para a origem da expressão vem da crença medieval de que uma das causas da loucura seria a existência de uma pedra na cabeça do alienado. Várias pinturas dos séculos XV, XVI e XVII tem como tema o procedimento da retirada da tal pedra.
A mais conhecida dessas obras é a “A extração da Pedra da Loucura”, do pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), cujo nome verdadeiro era Jheronimus van Aken. O quadro, óleo sobre madeira que mede 48 x 35 cm, encontra-se atualmente no Museu do Prado, em Madrid. Inicialmente constava que teria sido pintado entre 1475 e 1480, mas atualmente admite-se que teria sido composto entre 1501 e 1502.
Bosch retrata essa operação de uma maneira crítica e jocosa, utilizando-se de alegorias que permitem diversas interpretações. Na cena vê-se um paciente que olha assustado diretamente para o observador enquanto está sendo submetido ao procedimento de retirada da pedra por um cirurgião. Em vez da pedra, o que sai da incisão é uma tulipa. “Cabeça de tulipa” é uma expressão holandesa antiga para pessoas tolas ou crédulas. Alguns historiadores, por outro lado, interpretam a flor como uma referência à luxúria.
Na pintura, Bosch caracteriza claramente o “cirurgião” como um charlatão. O funil na cabeça indica a falta de conhecimento, a bolsa de dinheiro trespassada pelo punhal mostra a ganância que caracteriza o charlatanismo e a exploração da ignorância e da boa fé das pessoas. O pote de barro na cintura do operador seria segundo alguns historiadores da arte, uma alegoria da falibilidade da medicina.
Além disso, o artista parece criticar a Igreja ao mostrar um padre (que segura cântaro de vinho) legitimando a operação. A outra personagem é uma religiosa com ar enfadado e indiferente, com um livro fechado e sobre a cabeça, (talvez a Bíblia), o que representaria a ignorância ou a superstição. Grande parte das obras do artista tinha como tema a natureza pecaminosa da humanidade. Ao fundo pode se ver uma forca e uma roda de tortura, provavelmente uma indicação da punição para esse tipo de exploradores.
O quadro é pintado num formato circular, (como se fosse um espelho) e na sua periferia existe um dístico caligráfico elaborado com rigoroso cuidado: “Meester snyt die Keye ras, myne name is lubbert das”, algo como: “Mestre, extrai-me a pedra, meu nome é Lubber Das. Lubber Das é um personagem cômico da literatura nederlandesa, que simboliza a necessidade. Na verdade, não existem registros na literatura de que a extração da pedra da loucura fosse um procedimento efetivamente realizado pelos cirurgiões medievais e renascentistas, mas é relatado que charlatães tenham se valido da crença popular para simular a retirada do cálculo da cabeça dos desafortunados “doidos de pedra”.
Referências
1. Wauters, W. Extracting the Stone of Madness in perspective. Antwerp Royal Museum Annual 2015-2016. pp 9-36.
2. Oliveira, L.B.A. O Sagrado e o Profano em Hieronymus Bosch. Dissertação de Mestrado, Pontificia Universidade Católica de Goias. Goiânia : s.n., 2022.
3. Hartman, J.J., White, S.M. Ravin J.G., Hodge, G.P. The Stone of Madness. American Imago, The John Hopkins University Press. 1976, Vols. 33, pp 266-295.
4. Tavares, E.E., Stein, M. L. M. e Nunes, O.A.W. Estruturas Clínicas: Questões Preliminares. Rev. Assoc. Psicanal. 2010, pp. 30-38.
5. Buzzi, A.E. La extracción de la piedra de la locura (El Bosco, 1494). ALMA Cultura&Medicina. 7, 2021, Vol. 2.