04042016
Sabemos hoje que a febre tifoide é uma doença infecciosa causada por uma bactéria chamada Salmonela tiphi e é transmitida pela ingestão de água e alimentos contaminados principalmente por fezes humanas. A bactéria pode sobreviver por vários dias na água. Em alguns alimentos como ovo e ostras, a Salmonela pode permanecer viável por meses. A febre tifoide é, portanto, uma doença claramente relacionada com as condições de higiene e saneamento básico. O quadro clínico pode ser grave com mortalidade alta nos casos não tratados. Algumas pessoas que adquirem a Salmonela tiphi podem tornar-se portadores crônicos, que continuam eliminando a bactéria pelas fezes mas não apresentam qualquer sintoma.
Esse foi o caso de Mary Mallon, que ficou conhecida como “Typhoid Mary” e tornou-se uma emblemática personagem da História da Medicina.
Mary Mallon emigrou da Irlanda para os Estados Unidos em 1884 aos 15 anos de idade e inicialmente trabalhava como empregada doméstica em New York. A partir de 1900 começou a exercer a função de cozinheira em residências de famílias abastadas. Em agosto de 1906 foi contratada pela família do banqueiro Charles H. Warren. Naquele verão, o banqueiro resolveu levar a esposa e duas filhas para uma temporada de féris e para isso alugou uma mansão em Oyster Bay. Mary Mallon e outros seis empregados acompanharam a família. No final de agosto ocorreu naquela casa um surto de febre tifoide, que acometeu seis das onze pessoas que ali estavam hospedadas: a esposa e duas filhas de Warren, além de três dos empregados. Mary deixou o emprego logo depois desse surto.
Os proprietários da casa de Oyster Bay contrataram o engenheiro George Sober para identificar a causa daquele surto. Sober tinha experiência nesse tipo de investigação. Depois de analisar as condições sanitárias da residência e afastar a possibilidade de contaminação da água ou dos alimentos por fontes externas, Sober analisou os detalhes e chamou-lhe a atenção que a família havia contratado a cozinheira no dia 04 de agosto e no dia 27 uma das filhas de Warren caiu doente e logo em seguida todas as outras cinco. Na ocasião, já era conhecido o conceito de portador são e Sober suspeitou que a cozinheira recém contratada e que já não trabalhava mais com a família era peça importante naquele quebra-cabeça.
Logo após de deixar os Warrens, Mary conseguiu emprego como cozinheira em Tuxedo e em duas semanas outra empregada da nova casa foi internada com febre tifoide. Com a ajuda da agência de empregos que indicou Mary, foi possível a Sober reconstituir empregos anteriores, desde 1900, da cozinheira. Em muitos deles, o investigador constatou que ocorreram surtos de febre tifoide, pouco tempo depois da contratação de Mary.
George Sober conseguiu localizar a srta Mallon em um novo trabalho, mas a cozinheira reagiu violentamente à ideia de fornecer material para exame de sangue, urina e fezes. Foi preciso recorrer à força e Mary foi recolhida compulsoriamente ao Willard Parker Hospital para realização dos exames. A cultura de fezes foi positiva para o “Bacillus typhosus” e ela foi confinada na ala de isolamento do hospital. Conforme relato de Sober, a cozinheira estava raivosa e não admitia ter qualquer relação com a febre tifoide, pois gozava de perfeita saúde. Foi-lhe proposto a retirada da vesícula biliar, mas Mary se recusou terminantemente.
Mary Mallon ficou no Hospital por 2 anos e 11 meses e foi liberada por decisão judicial, com a condição de nunca mais exercer a profissão de cozinheira, nem manipular alimentos e comparecesse ao Departamento de Saúde a cada três meses. Assim que foi liberada, ela desapareceu completamente.
Mary Mallon na primeira quarentena |
Em 1915, uma séria epidemia de febre tifoide ocorreu em um hospital de New York e uma cozinheira daquele hospital, chamada Mary Brown fugiu de lá quando, em tom de brincadeira, algumas colegas a chamaram de “Typhoid Mary”. Localizada, verificou-se que Mary Brown era a própria Mary Mallon, que foi recolhida pela saúde pública em North Brother Island em uma segunda quarentena, onde permaneceu o resto de sua vida.
Mary Mallon morreu de pneumonia em 1938. Ela ficou mundialmente conhecida como “Typhoid Mary”, apelido que ganhou da imprensa americana, que deu grande destaque ao caso. Esse apelido foi depois generalizado, servindo para designar os portadores sãos que transmitem alguma doença.
Este é um resumo da complicada história de Mary Mallon, a Maria Tifosa, contada a partir do ponto de vista de George Sober, que foi quem descobriu o papel da cozinheira na transmissão da doença. Essa é a versão predominante nos textos que falam de sua história.
Mary Mallon era solteira, sem parentes nos EUA, sem amigos conhecidos. No seu relato, Sober diz que ela admitiu que quase nunca lavava as mãos para cozinhar, porque não achava necessário. São atribuídas a ela a contaminação documentada de 47 pessoas, com três óbitos. Naquele ano de 1906, foram registrados oficialmente em New York, 3467 casos de febre tifoide, com 639 óbitos, o número real certamente era bem mais alto. Estima-se que pelo menos um por cento deles tornaram-se portadores sãos, como Mary.
A quarentena forçada foi a única solução que a saúde pública americana conseguiu encontrar para o caso e Mary Mallon, “a mais perigosa mulher da América”.