Sífilis: uma nova e terrível doença na Renascença

Representação da sífilis em 1496
Sebastian Brant

No final do século XV, o rei da França, Carlos VIII, “O Afável” resolveu iniciar uma campanha militar para a tomada do Reino de Nápoles. Constituiu um exército de 12000 homens, composto em grande parte por mercenários de diversas origens. Esse fato foi muito significativo para a História Política da Europa, porém um outro acontecimento, fez com que a incursão militar de Carlos VIII mudasse para sempre a história da humanidade nos cinco continentes: o desencadeamento da epidemia de uma doença até então desconhecida, que a partir daí se constituiu em grave problema de saúde pública em praticamente todos os países do mundo, até meados do século XX.

Carlos VIII entrando em Nápoles

Na sua marcha, o exército do rei de França chegou a Roma em dezembro de 1494, onde, sem encontrar resistência, permaneceu por cerca de um mês, entre orgias e comemorações, seguindo então para Nápoles, acompanhado por uma legião de prostitutas. A entrada em Nápoles, também sem encontrar oposição se deu em 22 de fevereiro de 1495, seguindo-se novo período de orgias, que levou alguns historiadores a utilizar a denominação de “guerra da fornicação”. Alguns autores se referem à data da tomada de Nápoles como a “data de nascimento” da sífilis.

Forças contrárias à Carlos VIII foram organizadas e forçaram a sua retirada para o norte da Itália. Em 06/07/1495 ocorreu a Batalha de Fornovo, que é o ponto em que começa a história documentada da sífilis, por meio de relatos de dois médicos venezianos, Marcellus Cumano e Alexandre Benedetto, que estavam na batalha.

Cumano deixou preciosas descrições do quadro clínico da desconhecida doença apresentada pelos soldados que tinham lesões que comparou a grãos de milho na glande e prepúcio que eram seguidas por pústulas em todo o corpo. Os soldados se mostravam desesperados por dores terríveis em braços e pernas. Benedetto, descreveu o terror provocado na época por aquela doença que nunca tinha visto, causadora de grande sofrimento e horror, nas suas palavras, “pior do que o causado pela lepra ou pela elefantíase.”

Com a dissolução do exército de Carlos VIII, os mercenários regressaram a seus países de origem, deixando focos da nova doença nos locais por onde passaram, o que está registrado em crônicas, poemas e relatos de médicos da época. A assustadora e nova moléstia, em menos de dez anos disseminou-se por toda a Europa, acometendo um grande número de pessoas. Já em 1495, muitas cidades da Itália e do sul da França foram acometidas. No ano de 1496 a epidemia chegou a Paris, contaminou toda a Suiça e atingiu a Alemanha, a Ístria e a Trácia. A Inglaterra e a Escócia foram assoladas em 1497 e, entre 1499 e 1502, a sífilis já havia se instalado no centro e no norte da Europa.

O caráter sexual da nova moléstia foi logo percebido. Conhecia-se a gonorreia, o cancro mole, mas não aquela estranha doença, vista logo como  punição divina pelos pecados da humanidade e que se manifestava com um quadro clínico assustador, muito agressivo, de evolução extremamente rápida, com as lesões terciárias ocorrendo poucos meses após o início dos sintomas e provocando muitos óbitos. Já em meados do século XVI, a evolução da doença tornou-se mais branda, mais próxima da forma como a conhecemos hoje.

Há consenso na historiografia de que realmente a sífilis era uma doença totalmente desconhecida dos médicos renascentistas e é abundante a literatura a respeito. Inicialmente era chamada conforme o inimigo: Mal de Nápoles, Mal Francês. O nome sífilis, embora tenha surgido em 1530, só foi popularizado no final do século XVIII.

Clicando aqui, pode ser visto um post sobre as denominações que a sífilis recebeu ao longo do tempo. E aqui outro post a respeito das teorias sobre sua origem.

Referências bibliográficas
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Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

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