O antídoto mágico: A pedra de bezoar

A pedra de bezoar é uma formação sólida às vezes encontrada no trato digestivo de alguns animais, principalmente de certos ruminantes como as cabras. Embora raro, pode ser encontrado também em humanos, como tricobezoar (formado por pelos ingeridos) ou fitobezoar (formado por matéria vegetal). Pedras ingeridas artificialmente são os pseudo-bezoares.  

Pedra de bezoar como pedra preciosa.
Pedra de bezoar como pedra preciosa.
fonte: Barroso Acta med-hist Adriat 2014

Essas pedras passaram a ter um papel importante na história da medicina, carregando um significado mágico, tidas como antidoto universal para todos os tipos de veneno. Seu uso foi introduzido pelos árabes, desde o século VIII, como antídoto para certos tipos de venenos como os arsenicais. O termo bezoar, aliás, vem do árabe padzahr que tem o significado de antídoto. Sua utilização foi disseminada especialmente no período da Renascença, com papel importante dos portugueses e dos descobrimentos e aumento do intercâmbio com o oriente. Nessa época, sua eficácia foi atestada por influentes médicos, como Andreas Bacci. Outro famoso físico renascentista, Caspar Bauhin denunciou em uma monografia também dos quinhentos, que os médicos eram pressionados a prescrevê-las, por causa dos nobres e banqueiros da sua época que as tinham em grande estima. A s pedras tinham custo elevado, chegando a valer 10 vezes o seu peso em ouro. Conferia status aos seus possuidores e certamente foi um bom negócio.

Pedras de bezoar.
Pedras de Bezoar – fonte Wikipedia

Para se precaver de envenenamentos, muitos reis costumavam imergir pedras de bezoar nos líquidos que beberiam, entre eles o rei Carlos IX da França que não se separava de seu bezoar. A dificuldade em conseguir as pedras fez com que fossem criados bezoares artificiais com finalidade terapêutica, como a famosa Pedra de Goa, dos jesuítas.

O célebre cirurgião renascentista Ambroise Paré não acreditava muito nas propriedades terapêuticas de tal pedra. Para comprovar sua ineficácia realizou um estranho e cruel experimento, se analisado com as referências de hoje. Um certo cozinheiro do palácio havia roubado dois talheres de prata da cozinha real, tendo sido condenado à morte por enforcamento. Paré conseguiu do rei Carlos IX da França trocar a forca pelo envenenamento, com a promessa de perdão, caso o condenado sobrevivesse depois do tratamento com bezoar. O cozinheiro aceitou a oferta e foi dado a ele o veneno fatal, bicloreto de mercúrio, seguido pelo tratamento com o bezoar real. Paré acompanhou a evolução do caso no calabouço, anotando cuidadosamente as alterações clínicas verificadas. O fato é que em sete horas, o infeliz cozinheiro veio a falecer, depois de intensa agonia, levando Paré a concluir que a pedra era ineficaz como antídoto para venenos. O rei, decepcionado, mandou queimar sua preciosa pedra.

A boa reputação da pedra de bezoar, entretanto, ainda permaneceu por muito tempo, pelo menos até o século XVIII. Foi usada também como amuleto, pela crença em seus mágicos poderes.

E para mostrar que a História não tem fim, nem existe verdade absoluta, recentemente Arrhenius e Benson, dois pesquisadores do Scripps Institution of Oceanography, demonstraram que o bezoar pode sim neutralizar o veneno de certos arsenicais. Os compostos tóxicos são o arseniato e o arsenito. O primeiro pode ser removido, trocado por fosfato pela ação da brushita presente nas pedras e o arsenito pode ser ligado a compostos de enxofre da proteína dos cabelos degradados, também presentes nos bezoares.

Referências

1. Belofsky, Nathan. Strange Medicine: A Shocking History of Real Medical Practices Through the Ages. New York : Penguin Group, 2013.
2. Barroso, Maria do S. THE BEZOAR STONE: A PRINCELY ANTIDOTE, THE TÁVORA SEQUEIRA PINTO COLLECTION. Acta med-hist Adriat 12(1);77-98. 2014.
3. Butcher, Nancy. The Strange Case of the Walking Corpse: A Chronicle of Medical Mysteries Curious Remedies, and Bizarre but True Healing Folklore. New York : Penguin Group, 2004.
4. Barroso, Maria do S. Bezoar stones, magic, science and art. Geological Society, London, Special Publications, 375:193-207. 2013.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem 2 comentários

  1. Anônimo

    adorei o texto. muito interessante!

  2. Luis Alfredo

    Muito interessante!

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