O poder divino, a magia, o sobrenatural eram a base de toda a medicina grega anterior à era hipocrática. A doença e a cura eram prerrogativas dos deuses. De sua ira e vingança vinham os males, de sua benevolência e compaixão resultavam o alívio do sofrimento. Aos mortais restavam as preces e os sacrifícios.
Na Ilíada e na Odisséia, obras atribuídas a Homero, são numerosas as referências a doenças, pragas, ferimentos, tratamentos e atuação de médicos humanos e míticos. Nesses poemas, possivelmente do século VIII a.C., compilados a partir de antiga e rica tradição oral, são encontradas minuciosas descrições de ferimentos, de fraturas decorrentes dos combates, revelando surpreendentes conhecimentos anatômicos. Existem também referências a vários tipos de tratamento: cirúrgicos, medicamentosos, através de ervas e raízes com poderes de estancar sangramentos e aliviar as dores. Nessas obras os médicos gozam de bom conceito como mostra a passagem da Ilíada, referente à a Macaon, médico e guerreiro, filho de Asclépio:
Na Odisséia, esse prestígio também é ressaltado:
Peón era um deus médico e médico dos deuses. Os deuses também necessitavam de cuidados médicos. Foi Peón quem curou Ares, deus da guerra, ferido em combate, utilizando-se de medicamentos. Mais tarde a figura de Peón foi incorporada à de Apolo.
Na Odisséia e principalmente na Ilíada, Asclépio, (que teve o nome latinizado para Esculápio) é apresentado como médico de grande saber e poder, embora ainda não tenha ainda um caráter divino. Hesíodo, cujas obras principais A Teogonia e Os Trabalhos e os Dias, datam provavelmente de meio século depois de Homero, já apresenta Asclépio como filho de Apolo.
O poeta Píndaro, no primeiro terço do século V aC. descreve com detalhes o mito de Asclépio: a ninfa Coronis, grávida do deus Apolo, teve um romance com o mortal Isquis. Apolo descobriu a traição e fez com que sua irmã Artemis fulminasse Coronis com um raio. Já com Coronis na pira funerária, pronta para ser cremada, Apolo arrependeu-se e retirou o filho ainda vivo do ventre da ninfa. A este filho chamou Asclépio e delegou sua educação à Quiron, um centauro que detinha os segredos da medicina.
Asclépio aprendeu rapidamente e logo era capaz de realizar todas as curas e mais que isso: passou a ressuscitar alguns mortos. Hades, deus dos mortos, vendo quebrada a ordem natural das coisas, queixou-se a Zeus, que, temendo que Asclépio tornasse os homens imortais, fulminou-o com um raio, porém reconhecendo o valor do filho de Apolo, logo o elevou à categoria de deus.
Além dos filhos médicos Macaon e Podalírio, descritos por Homero na Ilíada, Asclépio teve mais 4 filhas que o auxilivam: Aceso, a cuidadora, Iaso, que curava, Panacéia, que tinha o conhecimento de todos os remédios e Higéia que conhecia os segredos da conservação da saúde. Os termos higiene e higidez são derivados de seu nome. Asclépio geralmente é representado portando um bastão com uma serpente enrolada, hoje o símbolo da medicina.
Ao longo do tempo o culto a Asclépio foi se expandindo e no século VI aC encontravam-se espalhados por toda a Grécia templos chamados Asclepeion, erigidos em sua homenagem em várias localidades, como Cós, Cilene, Siracusa, Pérgamo e Epidauro, este o mais famoso e que teria sido construído sobre a sepultura do próprio deus. Os templos eram construídos em locais aprazíveis e dispunham sempre de um bosque sagrado e uma fonte de água límpida.
A medicina dessa época desenvolvia-se nos templos, tinha caráter religioso e era exercida por sacerdotes chamados de asclepíades, que transmitiam seus conhecimentos de pai para filho. São relatados muitos casos de curas ocorridas nesses templos, onde o doente permanecia alguns dias, em ambiente de tranqüilidade, repouso, meditação, banhos purificadores e sonos reparadores. Acreditava-se que o próprio deus ministrava o tratamento necessário durante o sono do paciente que era induzido pelos asclepíades.
Pois é Paiva. Eu não tenho dúvidas de que se o médico conhecer a essência da História da Medicina, ele terá uma percepção mais clara de seu papel na sociedade, será um médico melhor e praticará uma medicina melhor.
Obrigado pelo seu carinho
Muito bem escrito este texto. Faz uma rara síntese
da História e da Mitologia, esta a interpretação mítica da própria história, como se concebia na época. Pergunto: Neto, até que ponto, hoje, não precisaríamos resgatar algo desta medicina antiga, para melhorarmos a medicina atual, asséptica e excessivamente tecnológica?