A estação do trem

Estação de Bálsamo, anos 40.
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                Uma das coisas boas que fazer este blog me dá é poder viajar no tempo. Desse modo vou muitas vezes para a Bálsamo dos anos 60 e sempre dou uma passada pela estação ferroviária. Há 50 anos ela era um prédio imponente, que fazia com o armazém um conjunto arquitetônico harmonioso e bonito, característico das construções da Estrada de Ferro Araraquara. A EFA ligava Araraquara a Presidente Vargas, hoje Rubinéia, bem na divisa de São Paulo com o Mato Grosso do Sul e foi construida pela necessidade de desenvolvimento do oeste paulista, o que levou o governo do estado, na primeira metade do século XX, a investir na ferrovia. As atividades da EFA foram iniciadas em 1896 e em 1912 os trilhos já estavam em S.J. do Rio Preto. As obras de expansão foram retomadas duas décadas depois e em 1933 foi concluído o trecho Rio Preto- Mirassol. Em 01 de setembro de 1941, numa construção de madeira foi inaugurada estação de Bálsamo. Seis meses depois a linha férrea estava em Engenheiro Balduino e no final de 1944 chegou a Votuporanga.

A estação de Mirassol em 1933
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       Numa época de poucos e caros automóveis particulares, a opção pelos deslocamentos  pela ferrovia era atraente e não só por serem mais econômicos. As viagens ferroviárias, pelo menos nas minhas recordações, eram muito mais divertidas mesmo para pequenas distâncias. A gente ia muito a Mirassol e a Rio Preto de trem.  Fomos várias vezes a Jales e Estrela D’Oeste visitar o pessoal dos tios Zé e Tereza  quando eles moraram naquelas cidades. A viagem no trem noturno de luxo, o Pulmann, com seus vagões de aço era aguardada ansiosamente. Era muito bom caminhar pelos vagões e ler os gibis que a gente comprava do jornaleiro no próprio trem. Os raros passeios a São Paulo, então, eram um acontecimento, com assunto para vários dias. Lembro bem da vez em que viajei no carro dormitório em uma cabine com cama e banheiro. O vagão-restaurante era luxuoso, com louças, copos e talheres de primeira. Foi lá que comi o primeiro e talvez o melhor bife-a-cavalo da minha vida. Com dois ovos! Isso foi em 1962, me lembro porque minha mãe comprou no trem uma revista Fatos e Fotos exaltando a conquista da Copa do Mundo. As 12 horas de viagem até a Estação da Luz (que maravilha de edifício!) passaram muito rápido. 

horários de trens
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 Na minha imaginação consigo ver a estação de Bálsamo bastante movimentada e organizada. Muita gente embarcando e chegando. Vejo, como num filme, os funcionários da ferrovia trabalhando: Deoclécio Pínola, o chefe da estação resolvendo assuntos com os usuários, vejo Bento Orlandelli na plataforma, na chegada do trem, esticando a mão e entregando alguma coisa para o maquinista e recebendo outro objeto. Sempre quis saber o que era aquilo e por que era feito com o trem ainda em movimento. Dá pra ver também o Seu Rubens da Estação vendendo bilhetes de passagens e operando o telégrafo. A profissão de ferroviário era respeitada, a ferrovia tinha grande importância econômica para a região. Alguns funcionários moravam em casas próximas, depois da linha férrea e o acesso era feito por uma escadaria que me parecia imensa.

             

A estação de Bálsamo e os charrreteiros (acervo Julio Martines Parra)

Nessa nostálgica viagem no tempo me deparo com outra profissão característica da época: a dos charreteiros. O intenso movimento nos horários de trens fazia com que funcionasse no local um ponto de charretes para o transporte de passageiros de e para suas casas, uma espécie de táxi caipira. Vários charreteiros ali trabalharam e fizeram parte da história de Bálsamo por muito tempo: Ballotti, Miguel Baiano, Aparecido Porfírio, Diego Gimenes, Miguel Charreteiro, que tinham ponto também no Jardim, em frente à Igreja Matriz. A distância da Igreja não é maior do que um quilômetro, mas a impressão que a gente tinha é a de que a estação ficava em um local muito afastado e as charretes ajudavam bastante. Até como ambulância. Me lembro que um dia, ainda criança, almoçando na casa da tia Adélia, que ficava perto da estação, fiquei engasgado com um espinho de traíra. O tio Zé e as primas, assustados, correram até a estação e trouxeram uma charrete para me levar ao Dr. Denir, cujo consultório era no centro. No caminho “desengasguei”.
Várias pessoas se lembram também de um ponte de charretes que ficava no Jardim, no cruzamento da Rua Minas Gerais com a Avenida Brasil. Na minha recordação, vejo com facilidade alguns desses veículos, enfeitados com seus bancos de chenilha passando pelas ruas da cidade.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem 18 comentários

  1. Neto Geraldes

    Rapaz,que coisa boa rever você, Roberto. Tínhamos uma turma boa. Você é um grande amigo!

  2. Roberto Pinheiro Machado

    Querido amigo Neto. Não sei nem por onde começar.Há anos que não nos vemos!Voltei no tempo ao ler sobre a Estação. Voltei a 23 de setembro de 1962 quando cheguei com meu pai, minha mãe e meu irmão em Bálsamo. Era um domingo e chovia muito.Estávamos nos mudando de São Paulo para Bálsamo!Eu mal sabia que viveria, sem dúvidas, anos maravilhosos. Iria conquistar muitos amigos que tenho na lembrança até hoje sendo você, Neto,um daqueles de que tenho muito orgulho.São muitas lembranças de futebol, da Kombi do Jacob, do Ginásio, do footing no jardim, do Serviço de auto falante Balsamense, da Igreja, da peça que participamos juntos, no Ginásio, do Grito da Independência ( você era o José Bonifácio e eu o D. Pedro I _ tenho essa foto). Enfim, grandes momentos, grandes dias! Obrigado, amigo por fazer-me lembrar de tantas coisas boas! Um abraço.

  3. Luís Alfredo

    Neto, este texto remonta à minha infância, pois morei por 6 meses em Codó(MA), bem em frene à uma estação ferroviária. Quando o trem parava na estação era aquela festa, com o movimento de vendedores ambulantes com bolos, pamonhas, doces e tudo que se possa imaginar. Fiz algumas viagens de Caxias até São Luís. Tinha um tio que era radiotelegrafista e me levava sempre à estação na qual trabalhava.
    Também gostava de brincar de andar de trole evidentemente fora do horário da passagem do trem(imagina!…). Também me lembro que naquela época andava muito de bonde em São Luís. Boas lembranças, bons tempos!
    Um abraço
    Luís Alfredo

  4. Heloísa

    Como viajei de trem quando era criança! Do Rio para São Paulo, de São Paulo para Campinas e depois pegávamos a Mogiana de Campinas até Passos. Um abraço

  5. Anônimo

    A do rei o seu blog

  6. Margarete Artico Baptista

    oi Neto.
    A Lurdinha comentou sobre o seu blog..
    Achei importante e curioso.
    continue divulgando historias..
    Um abraço

  7. Lurdinha

    Oi, Neto
    A Zaida tem razão. Também fico muito orgulhosa por ser sua irmã, não só por sua inteligência, mas também por sua sensibilidade. Ser médico e historiador requer muito isso, sensibilidade e, principalmente humanidade. Quanto ao circo, postei um comentário, mas se perdeu. Nós lembramos da principal peça de teatro do circo que emocionava. Era uma moça, filha de senhores de engenho que se apaixonava pelo feitor. A mãe e a tia Bi também lembraram disso. O ator era um galã, bonito. As mocinhas da cidade ficavam paquerando o cara e o circo lotava.
    Sobre a estação, nossa, você foi longe. Muito legal.A gente vinha de São Paulo e parava aqui em Bálsamo. A Zaida falou da charrete. Eu chegava de São Paulo e pegava uma charrete para ir até a casa da mãe. Parecia que era tão longe. Hoje estou a 1 quarteirão de lá. Lembra do "guarda" do trem passando e gritando: revistaaaa ou sanduicheeeee?
    Pão com mortadela. Uma vez viajei para São Paulo em uma cabine com 2 leitos. Era um em cima do outro.
    É isso, meu irmão. Que saudade.

  8. LOLE

    Depois do tratado da Zaida, fica difícil comentar mais alguma coisa. Me lembro bem da sensação de liberdade que sentia quando viajava de férias pra São Carlos (tinha 14, 15 anos). Ia na casa da Tia Tereza e Tio Zé – sozinha!!! Boas lembranças. Aliás, o pai do tio Zé era maquinista, não? Além dos gibis, tinha também aqueles livrinhos pequenos (faroeste ou romance), lembra?
    Parabéns Benedito. Continue escrevendo. Que tal algo do São Paulo agora (e esperemos uma tese da Zaida – que, aliás, tb escreve muito bem.

  9. Neto Geraldes

    Olá Maria. Você é uma amiga querida. E hoje é daqueles dias em que penso muito em você. Parabéns pelo aniversário.

  10. Neto Geraldes

    Eu queria escrever um texto mais histórico, mas deixei ser levado pela nostalgia e pela emoção. Que bom que tocou sua emoção também. Muito obrigado.

  11. Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler

    Neto, como falei por telefone, hoje que é aniversário da sua caçulinha Raquel, tentei postar meu comentário desde quando vc escreveu do circo e não consegui e da mesma forma sobre a estação de trens. São as limitações da minha competência tecnológica e em informática. Talvez também seja um pouco da soronguisse que vcs sempre fizeram questão de distinguir em mim.
    Ao ler seus textos fico orgulhosa e admirada de sua capacidade de escrever, de sua inteligência, caráter, ética e humildade, que muitas vezes beira a “moleza” (na falta de poder escrever outra coisa). Aliás seu apelido na infância era tartaruga, não? Então, não me conformo de vc não terminar seu doutorado, por se cobrar tanto para alcançar uma excelência que é impossível obter.
    Sua forma de escrever e contar suas histórias da infância, gravadas na memória dos balsamenses mais velhos ou de nossa idade, é muito singela , sensível e permite que sejam resgatadas lembranças de um tempo tão melhor do Bálsamo de todos nós e que ultimamente são tão desperdiçados em textos e comentários divulgados no Facebook…tão sem conteúdo…tão sem propósito…tão agressivos e arrogantes…
    Antes de vc escrever do circo já tinha pensado neste tema para a festa que te falei e quando fiz o comentário do circo, acrescentei algumas lembranças e me estendi em falar da estação e das charretes que funcionavam como táxi. Qual não foi minha surpresa quando vi vc escrever da estação de trens e das charretes…
    Como perdi os dois comentários , expresso agora lembranças que talvez nem sejam tão verdadeiras sobre os dois assuntos., pois muitas vezes não sei se vivi, se imaginei ou se estou tornando parte da minha história fatos ou ficção de outras pessoas. Do circo destaquei o que me ficou na memória da alegria quando chegavam, da curiosidade em saber como viviam, de ter permanentes , de ficar no camarote conseguido pelo vô Nicola; de comprar os pirulitos naquelas bandejas com furos, penduradas no pescoço do vendedor; das fotos vendidas dos artistas; do algodão-doce e pipoca e outros doces que não sei falar, vendidos na barraca ao lado da bilheteria…tão provinciano…tão caipira…tão Brasil que nos faz ter orgulho…
    Da estação tenho lembranças como criança, como adolescente e na minha fase adulta, quando fui estudar em São Paulo e o trem era o meio de deslocamento usado. Era uma aventura viajar para Rio Preto, para Cedral, em jogos da escola, comprar revistas, lanche, doces; ir ao vagão de alimentação; lembrar do pai nos falando para comer o bife a cavalo e o frango “de leite”. Que bom era usar a charrete que ficava estacionada na esquina do jardim, na direção da casa do Pedro Carmona (é o que eu lembro). Que saudades de retornar a São Paulo naquele trem “lotado”, sentada muitas vezes entre os vagões, até esperar que as pessoas fossem descendo em seus destinos. De São Paulo, a beleza da estação da Luz e a fila na bilheteria para comprar passagem de primeira classe, para ter um lugar garantido. Algumas vezes usar a cabine, que permitia descansar e dormir. Aliás, viajei poucas vezes com o João José bebê até Bálsamo nestas cabines …
    Eu falo demais…Gostaria que o pai divulgasse suas lembranças de Bálsamo como o farmacêutico e pessoa admirada que é e a mãe suas histórias sobre a escola e da matriarca e GB do João Geraldes. Aliás, os netos têm muito a falar desta dupla ainda muito dinâmica. Por fim, coloco uma frase que muito me sensibilizou esta semana e me fez pensar como somos tão imperfeitos e rancorosos: "Somos todos visitantes deste tempo, deste lugar. Estamos só de passagem. O Nosso objetivo é observar, crescer, amar. E depois vamos para casa." Provérbio Aborígene.

  12. Anônimo

    Neto

    Muito obrigada por resgatar essas duas lembranças tão maravilhosas de minha infância que sao o circo e a estrada de ferro e poder contar com maiores detalhes para minha filha.

    BJSS Maria Aurora

  13. Anônimo

    Dr. Neto, Adorei! Parabéns pelo texto rico de detalhes… Fantástico! Meu avô era da Estrada de Ferro Leopoldina, em Bicas (MG) e depois Juiz de Fora (MG), não só ele, como outros da minha família, pois era um emprego muito bom. Zé 25, assim era conhecido e chamado carinhosamente pelos colegas de trabalho. Fez 50 anos de Rede Ferroviária, com direito a festa, presente e coluna social do jornal local, como era merecido. Quando morávamos em Presidente Prudente (SP), década de 50/60, também viajávamos muito de trem leito, com direito a tudo o que você citou no seu rico texto. Era tudo muito feliz: trem, baldeação na Estação da Luz, a gente correndo e os meus pais preocupados da gente se perder, afinal cinco filhos, haja controle…Quando já morando em Juiz de Fora íamos muito de trem para o interior, nas cidades de nossa família. Ah! Doces e felizes lembranças… Obrigada Dr. Neto e um grande abraço. Mª de Fátima Aragão P. Pinheiro

  14. Neto Geraldes

    Pois é Rui. Tem muita história no trem de ferro. E dá tristeza pensar que num país tão grande, com topografia, economia, produção agrícola tão favoráveis ao transporte ferroviário de carga e de pessoas, ele simplesmente não existe mais.

  15. Neto Geraldes

    Olá Wilma, fico muito feliz em ver que você gostou. O trem de ferro é parte importante da história de Bálsamo, mas também é da nossa memória afetiva. Muito obrigado pelo seu carinho.

  16. Rui Tavares

    Neto, você reavivou minha memória ferroviária. A Noroeste que passava por Guaraçaí (NOB). Começava em Bauru e terminava em Corumbá. A Estação Ferroviária de Guaraçaí era um importante ponto de encontro quando passava o trem de passageiro às 18 horas, quando não atrasava. Lembro dos vendedores oferecendo pamonha, doces, salgadinhos, etc. Lembro bem dos pratos prontos (PF) que vendiam no trem. O vendedor usava um pano amarrado no pescoço para sustentar tanto peso. Vinham dois pratos, um tampando o outro. As charretes serviam para tudo, inclusive para o desfile das prostitutas que queriam se mostrar aos consumidores. Passavam pela rua central da cidade com os vestidos bem justos, como se estivessem indo para algum lugar, mas era somente uma amostragem do "produto". Parabéns pelo texto.

  17. Anônimo

    Que lindo Neto, amei…Voltei por alguns momentos à minha infância. Os passeios de trem com vovó e minha irmã .Nas viagens longas ,evitava-se usar roupas novas ,pois corria-se o rico de estragá-las com as pequenas fagulhas da " Maria Fumaça " que vez ou outra entravam pelas janelinhas abertas..Já mocinha ,por alguns anos ,viajáva-mos todos os dias para Mirassol para estudar no Colégio…é ,você aqueceu meu coração! Obrigada amigo…um forte abraço Wilma Antonia

  18. Anônimo

    Interessante. Gostei muito. Bj Sonia

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