parte da turma barra70 na festa de formatura |
O ano de 1970 foi um desses anos pra serem lembrados. Embora fosse um dos “anos de chumbo”, o ano 6 da Revolução, tempos pesados, foi o ano I da turma barra 70 da Medicina da UnB. Em março de 1970 começamos nossas aulas na moderna e revolucionária Universidade de Brasília, que tinha uma proposta diferente para o curso de medicina, mais holística e generalista, além de um sistema de ensino inovador. Uma das coisas boas que esse sistema de ensino proporcionou, foi uma intensa convivência entre os estudantes, o que levou a grandes amizades. E 43 anos depois essa amizade mantém-se forte e verdadeira.
barra70s no Anfi 9 |
A censura da época era intensa e arbitrária, todavia a canção passou incólume pelos censores e fez grande sucesso, vendeu quase 100000 cópias, o que era muito na época. Na UnB e entre os barra70 virou febre, era cantada, comentada, reverenciada. No anfiteatro 9 do Minhocão, à espera da prova de todos os sábados, sempre tinha alguém que puxava: “Hoje você é quem manda, falou, tá falado, não tem discussão” e o pessoal soltava a voz quando chegava o refrão: “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Era uma canção de protesto, cheia de desabafos, de metáforas, de significados, de galo que insistia em cantar, de água nova que brotava, mas não era raivosa nem depressiva. Exalava esperança.
Um vídeo da TV Tupi, com Chico Buarque cantando com MPB4 no programa Ensaio, dirigido por Fernando Faro e postado no youtube por Tauil.
A letra, que os barra 70 certamente sabem de cor:
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
La, laiá, la laiá, la laiá
Pensei em fazer um glossário para os mais novos, para tentar explicar o que é compacto simples, vitrola, esperança em política.
Talvez seja bom o retorno da ditadura para o país voltar a ser inteligente e culto.
A música é um bom tema para se estudar história, Branco. E os anos de chumbo produziram músicas da melhor qualidade.
Estou, sem explicação, sem ouvir músicas, quando no passado me deixei embalar pela magia de muitas melodias e letras. Essa, em particular, aviva boas lembranças.Abraço!
Olá Fátima, que bom que você gostou. "Apesar de Você" realmente é um grande símbolo daquela época e era mesmo um perigo cantá-la. No vídeo, tenho a impressão que o próprio Chico parece tenso na primeira estrofe, a fisionomia dele muda quando chega o refrão.
Na foto, o Nava está sentado, à esquerda, com o cotovelo na perna do Lázaro, que é o último da esquerda para a direita, em pé. Eu estou também no canto esquerdo, no alto, o primeiro de cima pra baixo. Abraço e obrigado.
Dr. Neto, adorei! Maravilha! Fiquei encantada com a foto, conheço muitos ali, Dr. Nava que parece estar com o braço no seu ombro, estou certa? Eu sei que dá um trabalhinho, mas coloca os nomes. A minha irmã, nessa época, era da turma de Direito e o meu pai fazia um monte de proibições, por causa da ditadura, principalmente cantar determinadas músicas… “Apesar de você”… “Pra não dizer que não falei das flores”… Ele morria de medo, também pudera, ser pai de jovens universitários naquela época era difícil, principalmente quando se envolviam nos movimentos estudantis, que não era o caso dela. “Apesar de você” era um hino de esperança, pena que mesmo com a democracia muita coisa não mudou e a gente continua com a esperança de sempre ““ Apesar de você “”. Parabéns pelo resgate, pela música, pelo blog…Abraço. Fátima Aragão
Boa lembrançaLeve-se em conta que Chico Buarque tinha 26 anos quando fez esta música e já era um veterano em obras-primas. Lembra que na Copa uma marcha de Don e Ravel fez um sucesso terrível? "Ninguém segura a juventude do Brasil…" e detestávamos? Apesar de você lavava nossa alma. Nossa geração tinha mesmo mais esperança. Só que acabou a ditadura, a repressão e a roubalheira e a impunidade chegaram com tudo. E não temos outro Chico. Você tem razão, Apesar de Você continua atual.