Sessenta

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Formatura em 1975- Sem pensar nos sessenta



















O texto abaixo foi escrito por Rui Tavares, um cara do ótimo. Ótima pessoa, ótimo médico, ótimo amigo. E gente do bem. Para ver outro texto dele publicado neste blog, clique aqui . Rui é autor do livro “Consertador de Menino”.




Ninguém sessenta impunemente. Passamos pela insegurança da adolescência, os sonhos dos trinta, a crise dos quarenta, a afirmação sexual dos cinquenta. E enfim se-sentamos. A parte já vivida começa a ficar bem maior que aquela que ainda poderemos viver, mas não devemos andar para frente olhando para trás, senão tropeçaremos na caminhada. De soslaio – palavra que só usa quem tem sessenta – olho para essas décadas e percebo que aprendi mais, da vida, com as mulheres. E, a entender o mundo, com os homens
.
Com as mulheres desenvolvi mais tolerância, persistência, dedicação, afeto, indulgência e esperança. Começando pela minha mãe, irmãs/irmães, tias, madrinhas, primas, sobrinhas, amigas e as mães das crianças das quais cuidei. Não tive oportunidade de conviver com minhas avós, mas aprendi com o amor das avós dos meus filhos. Marcante, nesse aprendizado, foram as mulheres que amei, que me amaram, que usei, que me usaram. E por ser o amor tão importante na minha vida é que continuo amando, pois nada é em vão para um grande coração.

Não me contaram que eu amaria tantos homens. Começando com meu pai, com quem eu me pareço mais a cada dia, e com meus irmãos. Para minha tristeza, eles já se foram. Convivi pouco com primos, mas com alguns criei fortes laços afetivos. Assim foi também com os sobrinhos. Os amigos, esses irmãos que a vida vai nos apresentando, têm sido as companhias mais assíduas. Com alguns o apego é tão visceral que parece transcender a própria existência.
 
Também não imaginei que poderia aprender uma maneira tão intensa de amar. Ser responsável por criar, orientar e preparar para o mundo os quatro filhos que me foram destinados foi a semente desse novo amor. Um exercício insano de dedicação, força, persistência, tolerância, indulgência, ódio e paz – enfim, tudo o que as mulheres me ensinaram! Ódio sim, mas não definitivo: somente naquele momento que o danado ficava pendurado, esperando a resposta se seria aprovado ou não, até o último minuto, do último dia, da última recuperação, quando todos os outros já estavam de férias. Ah, meus cabelos brancos…
Reconheço que as mães, avós e tias dos meus meninos compartilharam comigo essa tarefa, ombro a ombro, e foram fundamentais em todo o processo de aprendizado e cuidados. Não tive filhas, mas os filhos me trouxeram as noras e aprendi mais uma forma de amar. E neste momento uma delas está gestando um novo e emocionante amor.
 
Escolhi minha profissão numa idade em que não tinha maturidade para avaliar a intensidade das conexões entre as mentes. Essa rede, teia de finos fios, me manterá conectado pela eternidade. Pulsa afeto nessa rede.

A palavra atual é simplificar, diminuir a bagagem para ganhar mobilidade. Desapegar-se dos bens materiais, pois precisamos somente do necessário para nossa segurança. No entanto, precisamos muito dos amigos e amigas, sim, precisamos de todos eles! Lavamos a alma quando nos encontramos com amigos de infância, de adolescência, da faculdade, ou aqueles que encontramos já na maturidade. Com eles revivemos e nos renovamos. Dar boas risadas, nos ajudarmos, ouvir as lamentações (que todos temos), tudo isso nos dá a noção exata do que realmente é importante na vida. 

Esta é a verdade: a vida começa quando a gente compreende que ela não dura muito (Millôr Fernandes)

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem 4 comentários

  1. Unknown

    Ruizão, somente hoje, em 2020 e em plena crise do Covid-19 li o seu texto. Temos conversado bastante nos últimos tempos e temos uma grande divergência nos pensamentos e ações. Grande abraço. Eduardo Guerra.

  2. Roberto Machado

    Excelente e vejo, pelo texto lido do Rui ( que infelizmente não conheço _ mas sendo amigo do Neto já é muito importante para mim)que encontramos durante a vida coisas semelhantes mas as aproveitamos de formas diversas. E essa é a diferença entre os graus de felicidade. O reconhecimento de tudo o que vimos, compartilhamos e aproveitamos versus a apenas a passagem sem sentimentos.O sentimento de esparança boa pelo que está por vir versus a ausência de alegria pelo que ainda teremos pela frente. Apesar(?)dos sessenta que já se foram…
    Como diz a Cris, com muita felicidade, é bom sentir-se parte da boiada…
    Abraços
    Roberto

  3. Anônimo

    Sábias palavras,Ruizão. Como disse o Caetano, leva-se muito tempo para aprender a ser jovem. É por isso que tudo que é material perde a importancia. Ganham a simplicidade, os sentimentos, os amigos, filhos e netos. Aumenta também a dimensão do mistério chamado Vida. Te desejo muita saúde pra gozar no final, meu amigo.

    Cláudio Werneck Muniz

  4. Thereza Cristina Pereira

    Adorei o texto do Rui,
    Interessante é constatar que estou trilhando o caminho certo.
    Envelheço e percebo o incansável desejo pela simplicidade, beleza e por uma necessidade visceral de manter os amigos que conquistei (os verdadeiros, claro!). Uma vontade de estar mais leve, menos aferrada ao passado e ao cotidiano. Percebo também, que estou mais aberta ao inusitado, ao novo e a vida, em sua integralidade e sabedoria embriagantes.
    Vejo que sigo amadurecendo.
    Muito bom me sentir, neste momento, parte da boiada, já que ela caminha, saborosamente, por um caminho saudável.
    Beijo procê
    Cris

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