A Revolução científica e as teorias fisiológicas do século XVII

O experimento de Santorius


No século XVII a medicina começa a se mover em busca de explicações mais complexas na tentativa de entender melhor o funcionamento do organismo e suas disfunções. Embora grande parte dos médicos ainda preferisse explicar as doenças com base na teoria hipocrática/galênica do equilíbrio dos humores,(*) algumas correntes de pensamento, em consonância com a revolução científica que está se estabelecendo na Europa, começam a apoiar-se em esquemas teóricos como a doutrina fisiológica e seus dois ramos: a iatroquímica e a iatrofísica.

A doutrina chamada iatroquímica tinha por princípio que o funcionamento do organismo era toda regido pelas leis da química. O primeiro a divulgar tal teoria foi o germânico Franz la Boë (1614-1672), também conhecido como Sylvius, dotado de avançados conhecimentos anatômicos e que sustentava sua teoria fisiológica em três pilares: em uma nova noção de fermentação, levando a uma transformação qualitativa das substâncias no organismo humano,  em uma nova concepção de circulação do sangue descoberta por Harvey e em um postulado sobre a circulação de um “espírito animal”, que se formaria no cérebro, como uma espécie de destilação do sangue arterial, passaria aos nervos, daí aos vasos linfáticos e destes voltaria à corrente sanguínea. (5)
Thomas Willis

            Thomas Willis (1622-1675), de vasta obra anatômica, foi o principal representante da iatroquimica na Inglaterra. Para ele os distúrbios de fermentação seriam de natureza acre, áspera, salina ou ácida, cada qual com sua especificidade e capacidade de provocar doenças. Também as doenças nervosas e mentais que seriam devidas a transtornos da anima sensitiva, ou dos espíritos animais. (5)


Santorius

A nova teoria iatrofísica propunha que o funcionamento do organismo se fazia como uma máquina e os órgãos comportavam-se tal como modelos mecânicos, sujeitos as leis matemáticas e isto proporcionou algumas pesquisas engenhosas. Santorius (1561-1636), de Pádua, construiu um dispositivo que permitia obter o peso de um paciente durante todo o tempo e com isso conseguiu demonstrar a transpiração insensível e realizar um dos primeiros estudos metabólicos. Entre outros instrumentos relacionados à física para estudo da fisiologia, Santorius construiu um termômetro graduado, e um pulsômetro, um engenho pendular, destinado a contar a frequência cardíaca, (3) numa época em que os relógios não tinham nem os ponteiros de minutos. (4)

O espanhol Pedro Laín Entralgo, importante historiador da medicina, observa que a iatroquímica foi bem aceita na Holanda, Alemanha e países anglo-saxões e que foi um fenômeno assumido pelos protestantes, enquanto que os católicos permaneceram fiéis à doutrina galênica, ou se influenciaram pela iatrofísica. (5)

Em oposição aos conceitos fisiológicos e restabelecendo valores religiosos, surge no início do século XVIII o vitalismo, doutrina concebida por Georg Ernst Stahl (1659-1734), segundo a qual os organismos seriam dotados do anima um princípio supremo de vida, responsável pelos movimentos que mantém a vida. Assim a doença seria um processo natural e a dualidade saúde/doença explicada em termos da tendência degenerativa do organismo e da capacidade do anima de restabelecer os movimentos vitais. O anima não podia ser explicado nem pela física e nem pela química. (6)O animismo de Stahl pressupõe que Deus dotou o organismo de uma alma que vive no corpo, para ele a vida não pode ser explicada pelas partes físicas que formam o corpo, há a necessidade de um princípio vital, do anima.

(*) Para ler um post sobre a teoria dos quatro humores, clique aqui.
Bibliografia consultada:
1. Kusugawa, S. Medicine in Western Europe in 1500. [A. do livro] Peter Elmer. [ed.] Peter Elmer. The healing arts: disease and society in Europe, 1500-1800. Manchester : Manchester University Press, 2004, pp. 1-26.
2. Mosse, Claude. As lições de Hipócrates. [A. do livro] J Le Goff. As doenças tem história. Lisboa : Terramar, 1997.
3. Renouard, PV. History of Medicine:from its origin to the nineteenth century, with an appendix, containing a philosophical and historical review of medicine to the present time . Cincinnatti : Moore, Wistach, Keys and co (Google’s books), 1856.
4. Thompson, EP. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. Costumes em comum. São Paulo : Companhia das Letras, 1998, pp. 267-304.
5. Entralgo, PL. Historia de la medicina. Barcelona : Masson, 1978.
6. Ferreira, LO. Das doutrinas à experimentação: rumos e metamorfoses da medicina no século XIX. Revista da SBHC. 1993, Vol. 10, pp. 43-52.

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem um comentário

  1. Anônimo

    l

Deixe seu comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.