Noel Rosa quase médico

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Noel Rosa é um dos mais importantes compositores da música popular brasileira e apesar de ter vivido apenas 26 anos, deixou um legado de 259 composições da mais alta qualidade. Em sua obra mostra-se um poeta sensível e um cronista atento e mordaz. Embora tenha morrido em 1937, as canções de Noel são ainda bastante atuais.

Pouca gente sabe, entretanto, que a carreira de compositor do Poeta da Vila esteve ameaçada pela medicina. Em 1931 ele ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que atualmente pertence à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Logo imaginou a incompatibilidade entre o sambista e o médico e escolheu o samba. Na verdade, conforme asseguram João Máximo e Carlos Didier, na excelente biografia: Noel Rosa, uma biografia, (Editora UnB-1990), o compositor cursou apenas um semestre. Nem foi fazer as provas parciais.  Segundo Almirante, entretanto, contemporâneo de Noel e autor da bela biografia “Nos tempos de Noel”, ele teria abandonado a faculdade no segundo ano. 

Helio de Medeiros Rosa, seu irmão mais novo, bom pianista e parceiro no samba “Você só…mente”, também entrou na faculdade de medicina e escolheu ser médico. A título de registro e daí pode ter vindo o vínculo com a medicina, Eduardo Correa de Azevedo, avô materno de Noel, era médico. E poeta. 


Seu tempo na faculdade serviu ao menos para deixar uma canção, que chamou de Coraçãoe classificou como um “samba anatômico”. Neste samba, Noel brinca com o significado poético do coração, tentando realçar os aspectos anatômicos e fisiológicos do órgão. Logo nos primeiros versos ele diz: “Coração, grande órgão propulsor, transformador do sangue venoso em arterial”. Talvez alertado para a impropriedade, tentou remendar e algumas versões saíram com “distribuidor do sangue venoso em arterial”. Piorou. Aí desistiu de querer consertar.

A ideia da canção teria nascido, ainda segundo Didier e Máximo, pela expressão “cofre da paixão”, de gosto discutível, que um professor utilizou em uma aula. Falando a respeito dessa música, Noel disse que “é a primeira vantagem que tiro dessa desgraça de ter que estudar medicina.”


Clicando aqui você pode ouvir  a canção, na voz de Noel. A gravação é de 1932




Coração (Samba anatômico)

Coração
Grande órgão propulsor
Transformador do sangue venoso em arterial
Coração
Não és sentimental
Mas entretanto dizem
Que és o cofre da paixão
Coração
Não estás do lado esquerdo
Nem tampouco do direito
Ficas no centro do peito – eis a verdade!
Tu és pro bem-estar do nosso sangue
O que a casa de correção
É para o bem da humanidade

Coração
De sambista brasileiro
Quando bate no pulmão
Lembra a batida do pandeiro
Eu afirmo
Sem nenhuma pretensão
Que a paixão faz dor no crânio
Mas não ataca o coração

Conheci
Um sujeito convencido
Com mania de grandeza
E instinto de nobreza
Que, por saber
Que o sangue azul é nobre
Gastou todo o seu cobre
Sem pensar no seu futuro
Não achando
Quem lhe arrancasse as veias
Onde corre o sangue impuro
Viajou a procurar
De norte a sul
Alguém que conseguisse
Encher-lhe as veias
Com azul de metileno
Pra ficar com sangue azul

Neto Geraldes

Um novo historiador que gosta da medicina e um velho médico que gosta da história.

Este post tem 2 comentários

  1. Pois é Canuto. Não há incompatibilidade total entre as duas carreiras, mas certamente se tivesse seguido a medicina não teria conseguido fazer tantas e tão belas canções. Foram 259 em 7 anos. Ele mesmo disse que jamais seria um Miguel Couto na medicina, mas poderia tentar ser um Miguel Couto do samba.

  2. Osias Canuto

    Muito bom, doutor Neto. A musica agradece a desistência de Noel em relação à carreira de médico.

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