Um personagem fundamental da história da anestesia foi o dentista Horace Wells, que tinha consultório em Hartford, Connecticut e teve a precedência do uso do óxido nitroso como anestésico em extrações dentárias. As observações de Wells estão ligadas a um outro personagem dessa história: Gardner Quincy Colton, que realizava uma espécie de espetáculo para demonstrar os efeitos euforizantes do óxido nitroso, por isso chamado de gás hilariante. Num desses espetáculos, no dia 11 de dezembro de 1844, um espectador chamado Cooley ficou agitado após inalar o gás e feriu-se correndo por entre as cadeiras do recinto. Sentou-se depois ao lado do jovem dentista Horace Wells que também estava na plateia. Inquirido por Wells, Cooley negou estar sentindo dor, embora tivesse um grande ferimento na perna, provocado pelos traumas.
Prontamente Horace Wells imaginou que essa insensibilidade à dor fosse devida ao óxido nitroso e que ele poderia ser utilizado para aliviar a dor nas extrações dentárias. Na verdade devia estar muito convicto disso, pois logo no dia seguinte ao espetáculo, resolveu fazer sua primeira experiência para aplicação do NO2 como anestésico e ele mesmo foi a cobaia tendo sido submetido à extração de um molar pelo dentista John Riggs, seu amigo, e o óxido nitroso ministrado por Colton. Wells relata ter sentido apenas leve desconforto.
Depois de algumas outras experiências bem sucedidas, em fevereiro de 1845 Wells foi a Boston para demonstrar sua técnica no Hospital Geral de Massachussets. Um estudante foi voluntário para a extração dentária sob a anestesia pelo gás hilariante diante de uma plateia de estudantes, médicos e dentistas. Acontece que num dado momento, o paciente gritou de dor e os espectadores passaram a vaiar Wells e a dizer que a propalada anestesia era uma fraude. Wells foi praticamente obrigado a se retirar. Wells estava desmoralizado.
Thomas Green Morton |
O dentista e estudante de medicina William Thomas Green Morton estava naquela malfadada apresentação. Ele havia sido discípulo de Wells, com quem aprendera odontologia sob tutoria, durante cinco anos e ajudara Wells a conseguir o contato com o cirurgião John Warren, o que possibilitou sua desastrosa demonstração.
Green Morton, além de acreditar no poder do gás hilariante de suprimir a dor, viu nisso uma grande oportunidade. Morton fez suas próprias experiências e aconselhado pelo médico e químico Charles T. Jackson, passou a utilizar o éter sulfúrico em vez do óxido nitroso. Depois de realizar alguns testes com sucesso, no cão da família e em algumas extrações dentárias, conseguiu autorização para demonstração do seu invento no Massachussets General Hospital. No dia 16 de outubro de 1846, um jovem de nome Gilbert Abbott foi anestesiado por Green Morton que utilizou um aparelho para inalação do éter que ele mesmo criara e o renomado cirurgião John Warren retirou uma tumoração do pescoço do paciente, que não sentiu qualquer dor.
Charles T. Jackson |
O sucesso do procedimento provocou enorme repercussão no meio médico. A princípio, Green Morton não revelou a natureza do seu gás que provocava anestesia. Chamou-o de Letheon e, pressionado, foi obrigado a revelar que se tratava de éter sulfúrico puro. Lutou no Senado americano pelo reconhecimento da sua precedência na invenção da anestesia cirúrgica e, tentou uma compensação financeira, que acabou não recebendo. O médico Charles Jackson também pleiteou a primazia na ideia da utilização do éter nas cirurgias, travando com Morton uma grande batalha por esse reconhecimento.
Os personagens desta história tiveram fim trágico. Horace Wells, desiludido, passou a fazer experiências com clorofórmio e tornou-se dependente. Foi preso por jogar ácido sulfúrico em uma prostituta. Na prisão conseguiu obter um pouco de clorofórmio e uma lâmina. Após inalar o clorofórmio suicidou-se cortando uma artéria da perna. Tinha 33 anos de idade. Thomas Green Morton passou o resto da vida lutando pelo reconhecimento da invenção e por uma premiação. Morreu em1868, em New York, onde estava para responder a um ataque de Jackson em uma revista. O diagnóstico foi de “congestão cerebral”. Charles Jackson continuou em busca da glória pela descoberta da anestesia, mesmo depois da morte de Green Morton. Em 1873, foi internado em um asilo, onde faleceu sete anos depois, com a idade de 75 anos.
Crawford Long |
Vimos em um post anterior, quue o médico Crawford Long realizou uma cirurgia para extração de uma tumoração no pescoço de um paciente no dia 30 de março de 1842, empregando éter sulfúrico com sucesso. Esse post pode ser visto clicando aqui.
Long não entrou na briga pelo reconhecimento da paternidade da invenção da anestesia cirúrgica. Permaneceu trabalhando como médico e teve morte natural aos 63 anos de idade, vítima de um AVC, enquanto atendia a uma paciente em trabalho de parto. E, a rigor, foi ele o primeiro a utilizar com sucesso o éter para eliminar a dor em uma cirurgia. Nos Estados Unidos, o dia do médico é comemorado em 30 de março, data da cirurgia pioneira.
Long não entrou na briga pelo reconhecimento da paternidade da invenção da anestesia cirúrgica. Permaneceu trabalhando como médico e teve morte natural aos 63 anos de idade, vítima de um AVC, enquanto atendia a uma paciente em trabalho de parto. E, a rigor, foi ele o primeiro a utilizar com sucesso o éter para eliminar a dor em uma cirurgia. Nos Estados Unidos, o dia do médico é comemorado em 30 de março, data da cirurgia pioneira.
Referências bibliográficas
1. Smith, GB e Hirsch, NP. Gardner Quincy Colton a pioneer of a nitrous oxyde anesthesia. Anesth Analg. 1991:72:382-91 .
2. Maia, RJM e Fernandes, CR. O alvorecer da anestesia inalatória uma perspectiva histórica. Rev Bras Anestesiol. 2002; 52: 6: 774 – 782.
3. Long, C.W. An account of the first use of Sulphuric Ether by Inhalation as an anaesthetic in surgical operations. Survey of Anesthesiology. artigo histórico de Long de 1849, 1991 , Vol. 35, 6:375.
4. Beaton, A.Crawford Williamson Long. Yale J Biol Med . 19 (2):189-193, 1946.
5. Reis Junior, A.O primeiro a utilizar anestesia em cirurgia não foi um dentista. Foi o médico Crawford Williamson Long. Rev Bras. Anestesiol. 3, 1956, Vol. 56.
6. Evangelista, P.E.A história da anestesiologia. [A. do livro] J Manica. Anestesiologia, princípios e técnicas. Porto Alegre : Artmed, 2008.